Aos filósofos socráticos - vale dizer, aqueles pensadores que antecederam
historicamente Platão e Aristóteles, os dois vultos cardeais da filosofia grega - pode-se aplicar, com a maior das propriedades,
o epíteto de "pais da filosofia ocidental". Conquanto lhes conheçamos as doutrinas somente através de fragmentos esparsos,
e malgrado o caráter por vezes enigmático de sua linguagem, representam eles, mercê da profundeza e da acuidade de muitas
de suas formulações, a aurora do pensamento filosófico do Ocidente. Daí não estranhar o interesse sempre crescente que têm
despertado no atualidade, suscitando, de Nictzsche a Heidegger, variadas interpretações e abrindo novas perspectivas à
compreensão da problemática da filosofia. Aqui estão
reunidos alguns dos fragmentos considerados autênticos dos pré-socráticos, bem como breve seleção doxográfica acerca de
cada um deles. A tradução dos textos foi criteriosamente realizada pelo Prof. Gerd A. Bornheim. OS FILÓSOFOS SOCRÁTICOS irá
certamente interessar a alunos e professores das nossas Faculdades de Filosofia, bem como a todos os leitores desejosos de
ampliar sua cultura filosófica.
TALES DE MILETO - Mileto era a mais importante cidade da Jônia. Berço dos epos homéricos, tornara-se
famosa pela atividade comercial de seus navegadores, que percorriam quase toda a bacia do Mediterrâneo. Nela encontramos
os mais antigas filósofos pré-socráticos, Tales, Anaximandro e Anaxímenes. Sobre a vida de Tales, pouco se sabe. Um feito notável a previsão feita pelo filósofo do eclipse total do sol de
28 de maio o de 585 a. C. - permitiu estabelecer, como datas prováveis o ano de 624 a. C. para o seu nascimento e 547 a.C.
para a sua morte. Parece ter tido ascendência fenícia, e, em data incerta, empreendeu uma viagem ao Egito. Participou
ativamente da vida política e militar de sua cidade. De suas idéias quase nada é conhecido, e é pouco provável que tenha escrito um livro. Aristóteles chama-o
de fundador da Filosofia, e lembra a sua doutrina de que a água e o elemento primordial de todas as coisas, e que a terra flutua
sobre a água. Atribui-se a Tales a afirmação de que "todas as coisas estão cheias de deuses", o que talvez possa ser
associado à idéia de que o ímã tem vida, porque move o ferro. Além disto, elaborou uma teoria para explicar as inundações do
Nilo, e atribui-se a Tales a solução de diversos problemas geométricos.
DOXOGRAFIA: Tales afirmava que a terra flutua sobre a água Mover-se-ia como um navio; e quando se diz que ela treme,
em verdade flutuaria em conseqüência do movimento da água. Não se conhece nenhum fragmento de Tales. Outros julgavam que a terra repousa sobre a água Esta é a mais antiga doutrina por nós conhecida e teria sido defendida
por Tales de Mileto. A maior parte dos filósofos antigos concebia somente princípios materiais como origem de todas as coisas. Tales, o
criador de semelhante filosofia, diz que a água e o principio de todas as coisas (por esta razão afirmava também que a terra
repousa sobre a água. Entre os que afirmam um único princípio móvel por Aristóteles chamados propriamente de físicos -, uns consideram-no
LIMITADO, assim, Tales de Mileto, filho de Examias e Hipo - que parece ter sido ateu. Dizem a água e o principio. As aparências
sensíveis os conduziram a esta conclusão; porque aquilo que e quente necessita de umidade para viver, e o que e morto seca,
e todos os germes são úmidos, e todo alimento e cheio de suco; ora, e natural que cada coisa se nutra daquilo de que provem;
a água e o principio da natureza úmida, que mantém todas as coisas; e assim Concluíram que a água e o principio de tudo e
declararam que a terra repousa sobre a água. Tales e sua escola: o cosmos e um. Parece que também Tales se conta entre aqueles que, segundo se diz, supuseram a alma como algo móvel, assim como
sustentava também que a pedra magnética possui uma alma porque move o ferro. E alguns sustentam que a alma esta misturada com o universo; talvez por isto chegou Tales a opinião de que todas as
coisas estão cheias de deuses. Tales: a inteligência do cosmos e o deus; porque o universo e animado e cheio de deuses; o úmido elementar está
penetrado do poder divino, que o põe em movimento. Tales de MiIeto, o primeiro a indagar estes problemas, disse que a água e a origem das coisas e que deus e aquela
inteligência que tudo faz da água.
ANAXIMANDRO DE MILETO - Discípulo e sucessor de Tales, Anaximandro desenvolve a seu modo as doutrinas do
mestre. Natural de Mileto, supõe-se que tenha vivido de 547 a 610 a. C. De sua vida nada é conhecido. Parece ter sido o
primeiro a publicar escritos de ordem filosófica; escreveu em prosa. A maioria dos autores tem como certo que Anaximandro usou a palavra arké (origem, princípio), não tendo prevalecido
as criticas formuladas a este respeito por Burnet. O princípio de todas as Coisas é o ilimitado (apeiron). O seu fragmento refere-se
a uma unidade primordial, da qual nascem todas as coisas e à qual retornam todas as coisas. Anaximandro recusa-se a
ver a origem do real em um elemento particular; todas as coisas são limitadas, e o limitado não pode ser, sem injustiça, a
origem . das coisas; deve haver, por isto, um princípio que lhes sela anterior e que permita compreender tudo o que e limitado.
Do ilimitado surgem inúmeros mundos, e estabelece-se a multiplicidade; a gênese das coisas a partir do ilimitado e explicada
através da separação dos contrários como quente e frio, seco e úmido) em conseqüência do movimento eterno; ciclicamente,
o que esta separado volta a integrar-se à unidade primordial, restabelecendo-se a justiça. Com a doutrina do ilimitado,
Anaximandro pretende corrigir Tales, embora a água continue a desempenhar um papel importante em sua doutrina. Assim,
afirma que a água cobria no inicio toda a Terra, que os seres vi . vos surgi . surgiram do mar e que o homem deriva dos peixes.
FRAGMENTOS: Todas as coisas se dissipam onde tiveram a sua gênese, conforme a necessidade; pois pagam umas
as outras castigo e expiação pela injustiça, conforme a determinação do tempo.O ilimitado é eterno. O ilimitado é imortal e indissolúvel.
DOXOGRAFIA: Entre os que defendem um único principio móvel e ilimitado, Anaximandro, filho de Praxíades, de
Mileto, e discípulo e sucessor de Tales, diz que o ilimitado é o princípio e elemento das coisas, tendo sido o primeiro a
empregar a palavra princípio. Afirma que é, não a água ou algum dos outros assim chamados elementos, mas unia outra
natureza diferente, ilimitada, da qual seriam formados todos os céus e os cosmos naqueles contidos. todas as coisas se
dissipam onde tiveram a sua gênese conforme a culpabilidade; pois pagam umas as outras castigo e expiação pela injustiça,
conforme a determinação do tempo." É evidente que Anaximandro, ao observar a transformação recíproca dos quatro
elementos, não quis tomar um destes como substrato, mas um outro diferente. Tudo ou é principio ou procede de um principio; ora, não lia princípio do ilimitado, pois se tivesse seria limitado. No
mais, por ser principio, deve ser não engendrado e indissolúvel. Porque necessariamente tudo o que é gerado, chega a um fim,
e há um termo a toda dissolução. Por isto, como dizemos, não tem princípio, mas ele próprio parece ser o princípio das outras
coisas, e abraçá-las e governá-las todas, como afirmam todos aqueles que não admitem outras causas além do ilimitado, como
por exemplo, a Inteligência ou a Amizade. E é a divindade: imortal e imperecível, como o querem Anaximandro e a maioria dos
fisiólogos. O ilimitado é eterno e não envelhece. E abraça todos os cosmos. Anaximandro, companheiro de Tales, dizia que o ilimitado é totalmente responsável pela gênese e pela dissolução do
universo ( ... ). Afirmava ainda que a dissolução e, muito antes, a gênese, aconteciam repetindo-se tudo isso desde um tempo
ilimitado. O movimento é eterno e com ele surgem os céus. Anaximandro não explica a gênese pela mudança do elemento primordial, mas pela separação dos contrários em
conseqüência do movimento eterno. Contrários são quente e frio, seco e úmido, e os outros. Anaximandro afirma que, por ocasião da gênese deste cosmos, a força criadora do princípio eterno separou-se do
calor e do frio, formando-se uma esfera deste fogo ao redor do ar que envolve a Terra, assim como a casca em torno da arvore.
Quando esta se rompeu, dividindo-se em diversos círculos, formaram-se o sol, a lua e as estrelas. (. ..) ele também construiu uma esfera. O sol está situado acima de tudo; em segundo lugar está a lua; e mais abaixo as estrelas fixas e os planetas. Há os que afirmam, como Anaximandro entre os antigos, que a Terra, em virtude de sua igualdade, permanece fixa
em seu lugar. Pois, o que esta situado no centro e a igual distancia dos extremos, não se pode mover para cima ou para baixo
ou para os lados. Impossível é também que se mova, ao mesmo tempo, em direções contrárias. Acha-se, portanto,
necessariamente em repouso. Entre os filósofos que admitiam um numero infinito de mundos, afirmava ainda Anaximandro estarem muito
distanciados uns dos outros. Anaximandro: os primeiros animais nasceram do úmido circunvoltos por uma casca espinhosa; com o progredir do
tempo, subiram ao seco e rompendo-se a casca, mudaram de forma de vida. Diz ainda que, no princípio, o homem nasceu de animais de outra espécie, porque, enquanto os outros animais logo
aprendem a nutrir-se por si mesmos, o homem necessita de um longo período de lactação; por esta razão, não teria podido
sobreviver, em sua origem, tivesse sido assim como e agora. Opina que, originalmente desenvolveram-se os homens no interior dos peixes, e após terem sido nutridos - assim
como os tubarões -, e adquirido a capacidade de proteger-se, foram expelidos e arrolados à terra. Anaxímenes, Anaximandro, Anaxágoras e Arquelau afirmavam que a natureza da alma é semelhante ao vento.
ANAXIMENES DE MILETO - Anaxímenes nasceu, provavelmente, no ano 585 a.C., e
sabe-se que morreu durante a 63a. Olimpíada, isto e, entre 528 e 525 a.C. De sua vida
nada mais é conhecido. O ar, segundo Anaxímenes, é o elemento originante de todas as coisas; elemento
vivo, que constitui as cor . coisas através de condensação ou rarefação. Assim, o fogo é
ar rarefeito, e pela condensação progressiva formam-se o vento, as nuvens, a água a
terra e finalmente a pedra. Anaxímenes foi o primeiro a afirmar que a Lua recebe a sua luz
do Sol.
FRAGMENTO: Como nossa alma, que é ar, nos governa e sustem, assim
também o sopro e o ar abraçam todo o cosmos.
DOXOGRAFIA: Anaxímenes de Mileto, filho de Euristrato, considerou o ar
como princípio das coisas; todas as coisas dele provêm e todas as coisas nele se
dissipam. Como nossa alma, que é ar, nos governa e sustém, assim também o sopro e o
ar abraçam todo o cosmos. Anaxímenes, companheiro de Anaximandro, afirma, como este uma única
matéria ilimitada como substrato; não indeterminada, como Anaximandro, mas
determinada, chamando-a de ar: diferencia-se pela rarefação ou pela condensação
segundo a substância. Do ar dizia que nascem todas as coisas existentes, as que foram e as que
serão, os deuses e as coisas divinas. Quando o ar esta igualmente distribuído é invisível. manifesta a sua existência
através do frio e do calor, da umidade e do movimento. E esta sempre em movimento.
Pois o que muda, não poderia mudar se não fosse movido. ( ... ) nem afirmo que o homem é totalmente ar, como Anaxímenes. Outros dizem que , a alma é ar, como Anaxímenes e alguns estóicos. Quando o ar se rarefaz, torna-se fogo; e quando se condensa, vento; com
maior condensação, nuvem; se for mais forte, água; se mais forte ainda, terra; e com sua
extrema condensação, transforma-se o ar em pedra. Afirma que, pela condensação do ar, formou-se pela primeira vez a Terra,
sendo completamente plana. Por isto, compreende-se, flutua ela sobre o ar. As estrelas surgiram da Terra, ao destacar-se desta a umidade ascendente;
com a rarefação da umidade, surgiu o fogo; e do fogo, que se elevava, constituiram-se as
estrelas. As estrelas estão fixas como pregos na abóbada cristalina do céu. Existem outros corpos semelhantes a Terra na região das estrelas que giram
em torno destas. O céu e a circunvolução mais afastada da Terra.
XENÓFANES DE COLÓFON - Um dos mais longevos filósofos pré-socráticos, Xenófanes,
nasceu entre 580 e 577 a.C. e continuava escrevendo aos 92 anos de idade,- deve, por
isto, ter morrido por volta de 460 a.C. Rapsodo, declamava os seus versos em todas as
cidades da Grécia. Abandonou sua cidade natal, Cólofon, aos vinte e cinco anos, e não
se fixou em nenhum outro lugar, embora parece que se tenha demorado algum tempo na
Eléia e em algumas cidades da Sicília. Escreveu exclusivamente em versos, e tornou-se
famoso tanto por seus ataques aos poetas e filósofos, como também por suas próprias
doutrinas filosóficas. O elemento primordial é a terra . O frag. 29 fala em terra e água,
referindo-se, porém, à gênese do homem, como esclarece o frag. 33. A partir do elemento
terra, Xenófanes desenvolve a sua cosmologia. Mas foi a sua teologia que lhe deu um
lugar de destaque. Combate acirradamente a concepção antropomórfica dos deuses, e
defende um Deus único, distinto do homem, não-gerado, eterno, imóvel, puro
pensamento e que age através de seu pensamento. Os intérpretes costumam ver em
Xenófanes um antecessor de Parmênides.
FRAGMENTOS: Pois agora o chão já esta purificado, e as mãos e taças de todos os
convivas; um nos impõe coroas de flores trançadas, outro oferece em uma concha
essências perfumadas. O cântaro transborda de alegria, e, nas ânforas, ainda há outro
vinho, suave, que exala um perfume de ânforas e promete não acabar jamais. Entre os
convivas o incenso desprende sua fragrância. sagrada; também não falta a água fresca,
doce e pura. E não longe, pães dourados, e uma veneranda mesa curva-se sob o peso do
queijo e do mel untuoso. No centro ergue-se um altar coberto de flores, e cantos enchem
a casa, e alegria festiva. No início devem homens piedosos cantar um hino ao deus com
palavras de bom augúrio e castos discursos. Após as libações e as preces pedindo a
força de agir corretamente - pois isto é o que mais importa - não é excesso beber sem
desrespeitar os limites, a fim de poder voltar para casa sem auxílio, a não ser quando se
é demasiado velho. Entre os homens merece um elogio especial aquele que, após ter
bebido, puder expressar-se em nobres pensamentos sobre a virtude, tanto quanto lhe
permitirem sua memória e seu coração, deixando de lado os combates dos titãs, dos
gigantes e dos centauros -- ' fábulas inventadas pelos antigos -, e as querelas dos
cidadãos, pois nada dão de útil; nobre é preocupar-se sempre com os deuses. Se um homem sai vitorioso nas corridas ou no pentatlo em Olímpia, onde se encontra
o recinto sagrado_ de Zeus, junto as fontes do Pisa; se vencesse na luta ou na prática do
rude pugilato, ou ainda na terrível prova que se sol chamar de "pancracion", seria mais
glorioso (que antes) para os seus concidadãos, receberia assento de honra, largamente
visível, sua nutrição por conta da cidade e uma dádiva preciosa. Se vencedor na corrida de carros, receberia também todas estas (honras); mas mesmo assim não teria o meu
valor. Pois o nosso saber vale muito mais do que o vigor dos homens e dos cavalos.
Tudo isso e um mau costume, e não é justo preferir a força ao vigor do saber. Não e a
presença na cidade de um bom pugilista, nem a de um homem apto a triunfar no pentatlo
ou na luta, ou pela velocidade dos pés a mais estimada entre todas as provas atléticas
dos homens , que faria a cidade ficar em melhor ordem. Bem pequeno seria o proveio da
cidade -se alguém, nas margens do Pisa, conquistasse a vitória nos jogos; pois isto não
enche os celeiros da cidade. (Os colofonenses) aprenderam dos lídios maneiras delicadas e prejudiciais; e
enquanto ainda estavam livres da odiosa tirania, iam a praça pública vestidos de púrpura,
em numero não menor de mil, cheios de presunção, vaidosos de seus belos cabelos,
impregnados do odor de perfumes artificiais. Também ao misturar na taça, ninguém derramaria primeiro o vinho mas a água, e
sobre esta o vinho. Pois mandaste uma perna de cabrito e recebeste em troca a gorda perna de um boi,
honroso prêmio para um homem cuja fama atingira toda a Hélade e, enquanto existir o
gênero dos cantos helênicos, nunca perecera. Agora falarei novamente de outro assunto e indicarei o caminho. E conta-se que passava Pitágoras, ao ser castigado um pequeno cão; sentiu piedade e
pronunciou as seguintes palavras: "Pára de bater. Pois é a alma de um amigo meu, que
reconheci ao ouvir os seus gemidos." Sessenta e sete anos já passaram desde que minha inquietação passeia em terras
helênicas; e após meu nascimento vinte e cinco anos já haviam passado, se bem me
lembro da verdade. Bem mais fraco do que um velho.Sátiras Como todos, desde o inicio, aprenderam de Homero ( ... ).Homero e Hesíodo atribuíram aos deuses tudo o que para os homens e opróbrio e
vergonha: roubo, adultério e fraudes reciprocas. Como contavam dos deuses muitíssimas ações contrarias as leis: roubo, adultério e
fraudes recíprocas. Mas os mortais imaginam que os deuses são engendrados, tem vestimentas, voz e
forma semelhantes a eles.Tivessem os bois, os cavalos e os leões mãos, e pudessem, com elas, pintar e
produzir obras como os homens, os cavalos pintariam figuras de deuses semelhantes a
cavalos, e os bois semelhantes a bois, cada (espécie animal) reproduzindo a sua própria
forma.Os etíopes dizem que os seus deuses são negros e de nariz chato, os trácios dizem
que têm olhos azuis e cabelos vermelhos. Em torno da firme casa, encontram-se ramos de pinheiro.Os deuses não revelaram desde o início todas as coisas aos mortais, mas estes,
procurando, encontraram com o tempo o melhor. É próximo ao fogo, durante O inverno, que, alongados sobre macio leito, o ventre
bem nutrido, bebendo doce vinho e
mastigando grão-de-bico, devemos fazer tais perguntas: quem és e de onde vens? Que
idade tens, meu caro I Que idade contavas quando chegou o medo? Um único deus, o maior entre deuses e homens, nem na figura, nem no pensamento
semelhante aos mortais.Todo inteiro vê, todo inteiro entende, todo inteiro Ouve. E sem esforço move tudo com a força do seu pensamento.Permanece sempre imóvel no mesmo lugar; e não lhe convém mover-se de um lugar
para outro.Pois tudo sai da terra e tudo volta à terra. Este limite superior da terra é o que vemos aos nossos pés, de encontro ao ar; o
inferior, porém, estende-se ao infinito. Tudo o que nasce e cresce é terra e água. O mar e fonte da água, fonte do vento. Pois nem das nuvens (surgiria a força do
sopro do vento) sem o mar imenso; nem o curso das águas, nem as chuvas celestes; no
mar imenso nascem as nuvens, os ventos e os rios. O Sol balançando-se sobre a Terra e esquentando-a.O que chamam de íris, não é mais do que uma nuvem segundo sua natureza,
púrpura, escarlate e verde-amarela. Nascemos todos da terra e da água. Pois homem algum viu e não haverá quem possa ver a verdade acerca dos deuses e
de todas as coisas das quais eu falo; pois mesmo se alguém conseguisse expressar-se
com toda exatidão possível, ele próprio não se aperceberia disto. A opinião reina em
tudo. Considerai todas estas coisas como meras opiniões, tendo aparência de verdade ( ...
). Tudo o que se manifestou a vista dos mortais (...) E em certas cavernas goteja a água, ( ... ). Se Deus não tivesse feito o dourado mel, os homens julgariam os figos muito mais
doces (do que são).
DOXOGRAFIA: O mundo é não gerado, eterno, incorruptível. Entre nós, os eleatas, desde Xenófanes e mesmo de tempos anteriores, explica-se
como uma unidade o que se chama o Todo e expõe-se neste sentido os seus mitos. Xenófanes, o fundador da escola eleata, afirmava a unidade do Todo, de forma
esférica e limitada, não engendrada, eterna e imóvel. Xenófanes, contudo, o primeiro expoente da doutrina da unidade, (pois Parmênides
teria sido seu discípulo) ( ... ), observando o universo todo, dizia que a unidade é Deus. Xenófanes afirmou, imperturbado pelas representações humanas, a divindade como
homogênea, imóvel, afastada de todo sofrimento, mais espiritual do que o espírito.A natureza de Deus seria esférica e em nada semelhante aos homens. Todo inteiro vê,
todo inteiro ouve. Não respira. E é todo espírito e sabedoria e eterno. Se a divindade é a mais forte de todas as coisas, só pode ser uma única ( ... ), pois se
houvesse dois ou mais deuses, não poderia ser o mais forte e o melhor de tudo. Portanto
só pode haver uma divindade.( ... ) pois um deus não pode dominar os outros. Xenófanes foi o primeiro a declarar a contingência de todas as coisas e a definir a
alma como um sopro.
HERÁCLITO DE ÉFESO - As do nascimento e da morte de Heráclito são desconhecidas. Sabe-se, porém, que
atingiu o acme de sua existência na época da 69 a.C Olimpíada, entre 504 e 500 a. C. Isto é
suficiente para situá-lo uma geração após Xenófanes, ao qual se opôs, e uma geração
antes de Parmênides, o seu principal opositor. De sua vida, pouco se conhece; supõe-se
que tenha pertencido à aristocracia de Éfeso e que seus antepassados foram os
fundadores da cidade. Mas parece que Heráclito abdicou dos seus direitos de participar
do governo da cidade. Chamavam-no de orgulhoso, pois desprezava seus concidadãos e
levava uma vida à parte. Cognominado -de "obscura", relata-se que teria depositado o
seu livro no templo de Ártemis, mas esta e as muitas lendas que se contam sobre a sua
vida, não têm fundamento histórico. 35
Aspectos fundamentais da doutrina: A afirmação da unidade fundamental de todas as coisas:Todas as coisas estão em movimento, o movimento se processa através de contrários, o fogo é gerador do processo cósmico, o Logos C compreendida como inteligência divina que governa o real, a sabedoria humana liga-se ao Logos, o conhecimento sensível é enganador e deve ser superado pela razão. Este Logos, os homens, antes ou depois de o haverem ouvido, jamais o
compreendem. Ainda que tudo aconteça conforme este Logos, parece não terem
experiência experimentando-se em tais palavras e obras, como eu as exponho,
distinguindo e explicando a natureza de cada coisa. Os outros homens ignoram o que
fazem em estado de vigília, assim como esquecem o que fazem durante o sono. Por isso, o comum deve ser seguido. Mas, a despeito de o Logos ser comum a todos,
o vulgo vive como se cada um tivesse um entendimento particular. (O Sol tem) a largura de um pé humano.Se a felicidade consistisse nos prazeres do corpo, deveríamos proclamar felizes os
bois, quando encontram ervilhas para comer. Em vão procuram purificar-se, manchando-se com novo sangue de vitimas, como se,
sujos com lama, quisessem lavar-se com lama. E louco seria considerado se alguém o
descobrisse agindo assim. Dirigem também suas orações a estátuas como se fosse
possível conversar com edifícios, ignorando o que são os deuses e os heróis. (O Sol é) novo todos os dias. Se todas as coisas se tornassem fumaça, conhecer-se-ia com as narinas.Tudo se faz por contraste; da luta dos contrários nasce a mais bela harmonia. 36
9 - Os asnos prefeririam a palha ao ouro.Correlações: completo e incompleto, concorde e discorde, harmonia e desarmonia, e
de todas as coisas, um, e de um, todas as coisas. Tudo o que rasteja é custodiado pelos golpes (divinos). Para os que entram nos mesmos rios, correm outras e novas águas. Mas também
almas são exaladas do úmido.(Os porcos) alegram-se na lama (mais do que na água limpa). (A quem profetiza Heraclito?) Aos noctívagos, aos magos, às bacantes, às mênades
e aos mistas. (A estes ameaça com o castigo após a morte, a estes profetiza o fogo). Pois
o que os homens chamam mistérios ( ... ).Não fossem para Dionísio as pompas organizadas com cantos fálicos, seriam os atos
mais vergonhosos; o mesmo -e, contudo, Hades e Dionísio, pelo qual deliram e festejam
as Lenéas. Quem se poderá esconder da (luz) que nunca se deita? Muitos não entendem estas coisas,, mesmo as encontrando em seu caminho, e não
as entendem quando ensinados; mas pensam saber. Se não tiveres esperança, não encontraras o inesperado, pois não e encontradiço e é
inacessível. Homens que não sabem nem escutar nem falar. (Heraclito parece considerar o nascimento uma infelicidade ao dizer:) Desde que
nasceram querem viver e sofrer sua sorte mortal - ou antes descansar -, e deixam filhos
para haver outras sortes mortais. Morto é tudo o que nós vemos acordados; sonho, tudo o que vemos dormindo.Os que procuram ouro, cavam em muita terra e pouco encontram. Não houvesse isto (a injustiça) ignorariam o próprio nome de justiça. Deuses e homens honram os caídos em combate.Quanto maior for a morte, maiores os destinos. O homem, na noite, acende a si mesmo uma luz, quando a lua dos seus olhos se
apaga. Vivo, toca na morte, quando adormecido; acordado, toca os que dormem. O que aguarda os homens após a morte, não e nem o que esperam nem o que
imaginam. Apenas probabilidade é o que o mais estimado conhece e guarda. Mas a justiça
saberá ocupar-se dos que tramam mentiras e de seus testemunhos.Uma coisa preferem os melhores a tudo: a gloria eterna às coisas perecíveis; mas a
massa empanturra-se como o gado. Este mundo, igual para todos, nenhum dos deuses e nenhum dos homens o fez;
sempre foi, é e será um fogo eternamente vivo, acendendo-se e apagando-se conforme a
medida. As transformações do fogo: primeiro o mar; e a metade do mar é terra, a outra
metade um vento quente. A terra dilui-se em mar, e esta recebe a sua medida segundo a
mesma lei, tal como era antes de se tornar terra. O Uno, o único, sábio, recusa e aceita ser chamado pelo nome de Zeus. Lei C também obedecer à vontade de um só.Também quando ouvem não compreendem, são como mudos. Justificam o
provérbio: presentes, estão ausentes.De muitas coisas devem homens amantes da sabedoria estar avisados.Para as almas, morrer é transformar-se em água, para a água, morrer e
transformar-se em terra. Da terra, contudo, forma-se a água, e da água, a alma. Porcos banham-se na lama pássaros no pó e na cinza. (Tales, segundo alguns), foi o primeiro a pesquisar os astros... (Também Heraclito e
Demócrito são disto testemunhas). Em Priene viveu Bias, filho de Teutanes, cuja fama e maior que a dos outros.A polimatia não instrui a inteligência. Não fosse assim, teria instruído Hesíodo o
Pitágoras, Xenófanes e Hecateu. Só uma coisa é sábia: conhecer o pensamento que governa tudo através de tudo.Homero deveria ser expulso dos jogos públicos e ser castigado. Também Arquíloco.Melhor apagar a desmedida que um incêndio.O povo deve lutar por sua lei como pelas muralhas. Mesmo percorrendo todos os caminhos, jamais encontraras os limites da alma, tão
profundo é o seu Logos. (Chamava a) presunção, doença sagrada, (e a vista, enganadora). Não devemos julgar apressadamente as grandes coisas. O arco tem por nome a vida, e por obra a morte. Um vale aos meus olhos dez mil, se é o melhor. Descemos e não descemos nos mesmos rios; somos e não somos. (Heraclito afirma a unidade de todas as coisas: do separado e do não separado, do
gerado e do não gerado, do mortal e do imortal, da palavra (logos) e do eterno, do pai e
do filho, de Deus e da justiça). É sábio que os que ouviram, não a mim, mas as minhas
palavras (logos), reconheçam que todas as coisas são um. (Eles) não compreendem como, separando-se, podem harmonizar-se: harmonia de
forças contrarias, como o arco e a lira.O tempo C uma criança que brinca, movendo as pedras do jogo para Iá e para cá;
governo de criança.A guerra é o pai de todas as coisas e de todas o rei; de uns fez; deuses, de outros,
homens; de uns, escravos, de outros, homens livres. A harmonia invisível e mais forte que a visível.Prefiro tudo aquilo que se pode ver, ouvir e entender.Os homens se enganam no conhecimento das coisas visíveis, como Homero, o mais
sábio, dos helenos. Pois também aquele enganavam os jovens, quando catavam piolhos
e diziam: tudo o que vimos e pegamos, nós abandonamos; tudo o que não Vimos nem
pegamos, levamos conosco. A maioria tem por mestre Hesíodo Estão convictos ser o que mais sabe - ele, que
nem sabia distinguir o dia da noite. Pois e uma e a mesma coisa. (Bem e mal são uma e a mesma coisa). Os médicos cortam, queimam, (torturam de
todos os modos os doentes, exigem) um salário, ainda que nada mereçam, fazendo(lhes)
um bem semelhante (a doença). O caminho da espiral sem fim é reto e curvo, e um e o mesmo. O caminho para baixo e o caminho para cima e um e o Mesmo.O mar: a água mais pura e a mais abominável: aos peixes, potável e saudável; aos
homens, impotável e prejudicial. Imortais, mortais; mortais, imortais. A vida destes é a morte daqueles e a vida
daqueles a morte destes. Diante dele (Deus), levantam-se, e despertam vigias dos vivos e dos mortos. O relâmpago governa o universo. (Fogo:) carência e abundância. Pois tudo o fogo, aproximando-se, julgara (e condenara). Deus e dia e noite, inverno e verão, guerra e paz, abundância e fome. Mas toma
formas variadas, assim como o fogo, quando misturado com essências, toma o nome
segundo O perfume de cada uma delas.Assim como a aranha, instalada no centro de sua tela, sente quando uma mosca
rompe algum fio (da teia) e por isso acorre rapidamente, quase aflita pelo rompimento do
fio, assim a alma do homem, ferida alguma parte do corpo, apressadamente acode, quase
indignada pela lesão do corpo, ao qual está ligada firme e harmoniosamente.(Dizia que as opiniões dos homens são) jogos de crianças. (Devemos lembrar-nos também do homem) que esquece para onde leva o caminho.sobre o Logos, com o qual estão em constante relação (e que governa todas as
coisas), estão em desacordo, e as coisas que encontram todos os dias lhes parecem
estranhas. Não se deve agir nem falar como os que dormem.Os adormecidos, (chama Heraclito, creio eu,) operários e colaboradores nos
acontecimentos do cosmos. O fogo vive a morte da terra e o ar vive a morte do fogo; a água vive a morte do ar e a
terra a da água.Tornar-se úmidas, para as almas, é prazer ou morte. (O prazer 'consiste no inicio da
vida. E em outro lugar diz:) Nós vivemos a morte delas (das almas) e elas vivem a nossa
morte. O espírito do homem não tem conhecimentos, mas o divino tem.O homem e infantil frente a divindade, assim como a criança frente ao homem. É necessário saber que a guerra é o comum; e a justiça, discórdia; e que tudo
acontece segundo discórdia e necessidade.Pitágoras, ancestral dos charlatães. O mais belo símio é feio comparado ao homem. O mais sábio, dos homens, comparado a Deus, parecer-se-á a um símio, em
sabedoria, beleza e todo o resto.Movendo-se, descansa (o fogo etéreo do corpo humano). É cansativo servir e obedecer aos mesmos (senhores). Lutar contra os desejos C difícil. Pois o que exige, compra da alma.(Grande parte do divino) subtrai-se ao conhecimento, por falta de confiança.Um homem tolo assusta-se a cada palavra. Em nos, manifesta-se sempre uma e a mesma coisa: vida e morte, vigília e sono,
juventude e velhice. Pois a mudança de um dá o outro e reciprocamente. Para aqueles que estão em estado de vigília, há um mundo único, e comum.O fogo se transforma em todas as coisas e todas as coisas se transformam em fogo,
assim como se trocam as mercadorias por ouro e o ouro por mercadorias. Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio. Dispersa-se e reune-se; avança e se
retira. A Sibila, que, com boca delirante, pronuncia palavras ásperas secas e sem artifícios,
(fazendo-as ressoar durante mil anos). Pois o Deus a inspira.O senhor, cujo oráculo esta em Delfos, não fala nem esconde: ele indica. O Sol não ultrapassara os seus limites; se isto acontecer, as Eríneas, auxiliares da
Justiça, saberão descobri-lo. Melhor é dissimular sua ignorância. (Isto é difícil. no desenfreio e ao beber).Os cadáveres deveriam ser lançados fora como estrume. Os cães ladram àqueles que não conhecem. As almas aspiram o aroma no Hades. Não houvesse o Sol, seria noite, a despeito das demais estrelas. ( ... ) o tempo próprio, que traz todas as coisas.Eu me procurei a mim próprio. Os olhos são testemunhos mais agudos que os ouvidos. Para Deus tudo e belo e bom e justo; os homens, contudo, julgam umas coisas
injustas e outras justas. Na circunferência, o princípio e o fim se confundem. Qual e o seu espírito ou o seu entendimento? Acreditam nos cantores de rua e seu
mestre e a massa, pois isto ri não sabem: "A maioria é ma e poucos são os bons." (Heraclito censura Hesíodo por considerar uns dias bons e outros maus). Por
ignorar que a natureza de cada dia e uma e a mesma. Maus testemunhos para os homens são os olhos e os ouvidos, se suas almas são
bárbaras. De quantos ouvi as palavras, nenhum chegou a compreender que a sabedoria e
distinta de todas as coisas. Não seria melhor para os homens, se lhes acontecesse tudo o que desejam. A doença torna a saúde agradável; o mal, o bem; a fome, a saciedade; a fadiga, o
repouso. O bem pensar e a mais alta virtude; e a sabedoria consiste em dizer a verdade e em
agir conforme a natureza, ouvindo a sua voz.. O pensamento e comum a todos.Os que falam com inteligência devem apoiar-se sobre o comum a todos, como uma
cidade sobre as suas leis, e mesmo muito mais. Pois todas as leis humanas nutrem-se de
uma única lei divina. Esta domina, tanto quanto quer; basta a todos (e a tudo) e ainda os
ultrapassa. À alma pertence o Logos, que se aumenta a si próprio. A todos os homens e permitido o conhecimento de si mesmos e o pensamento
correto. O homem ébrio titubeia e se deixa conduzir por uma criança, sem saber para onde
vai; pois úmida está a sua alma. Brilho seco: alma mais sábia e melhor. O caráter é o destino (daimon) de cada homem. Términos da aurora e da noite: a Ursa e, ao lado oposto a Ursa, o Guardião do Zeus,
resplandecente. Os efésios deveriam todos enforcar-se, e suas crianças deveriam abandonar a
cidade, pois expulsaram a Hermodoro, o mais valoroso dentre eles, dizendo: ninguém
dentre nós deve ser o mais valoroso; senão, (que viva) em outro lugar e com outros." A natureza ama esconder-se. A mais bela harmonia cósmica e semelhante a um monte de coisas atiradas. Mesmo uma bebida se decompõe, se não for agitada. Que vossa riqueza, efésios, jamais se esgote, para que se manifeste a vossa
maldade. O frio torna-se quente, o quente frio, o úmido seco e o seco úmido.
DOXOGRAFIA: A sua obra tem por objeto, de uma maneira geral, a natureza: divide-se em três livros,
que tratam do Universo, do Estado e da Religião. Eis as suas teorias. Tudo foi feito pelo fogo e tudo se dissipa no fogo. Tudo esta
submetido ao destino. E o movimento determina toda a harmonia do mundo. Tudo esta
cheio de espíritos e de demônios. Falou de todas as coisas que contem o mundo e disse
que o Sol tem exatamente o tamanho que se vê. Ele disse ainda: "Mesmo percorrendo
todos os caminhos, jamais encontrarás os limites da alma, tão profundo é o seu Logos."
A crença é para ele, uma doença sagrada e a visão uma mentira. Por vezes em seu livro,
exprime-se de maneira tão clara e luminosa, que mesmo o espírito mais obscuro pode
compreendê-lo facilmente e seguir o argumento de seu espírito. A concisão e a riqueza
de sua palavra são inimitáveis. Eis como expõe suas teorias em cada parte de seu livro. O fogo um elemento e tudo se
faz pelas transformações do fogo, quer por rarefação, quer por condensação. Contudo,
nada explica com suficiente clareza assim diz que tudo se faz pela oposição dos
contrários, e que o todo fluí como um rio. O Universo, segundo ele, é limitado, e há só um cosmos, nascido do fogo e que voltara ao fogo após certos períodos, eternamente, É o
destino que assim quer. Entre os contrários, a luta que leva a formação do mundo, chama-se guerra e
desentendimento; e a combustão, chama-se concórdia e paz. O movimento para cima e
para baixo forma o mundo da seguinte maneira: o fogo, condensando-se, torna-se
líquido, fazendo-se água, a água, condensando-se, se transforma em terra, e este é o
movimento para baixo. Por outro lado, em sentido inverso, a terra se funde e se torna
água, e dela se forma todo o resto, pois relaciona quase tudo à evaporação do mar. E
assim se faz o movimento para cima. Há, portanto, evaporações vindas da terra e do mar,
das quais urnas são claras e puras e outras obscuras. O fogo tira a sua substância das
primeiras, a água, das segundas. Quanto ao que circunda (o ar), ele não explica a sua
natureza. Diz, contudo, haver alvéolos na abóbada côncava virados Para nós. Nestes
alvéolos reúnem-se as emanações claras, formando assim as luzes que são as estrelas.
A luz do Sol e a mais brilhante e a mais quente. Com efeito, os outros astros estão mais
distantes da Terra, e isto torna o seu brilho menos vivo e menos quente; a Lua, enfim,
está demasiado próxima a Terra para poder encontrar-se em um lugar puro. Ao contrario
do Sol, situado em lugar brilhante e puro, em unia distancia a nossa medida. Por isto, e
mais quente e tem mais brilho. Os eclipses do Sol e da Lua se produzem quando os
alvéolos estão voltados para cima. As fases mensais da Lua são conseqüência de um
pequeno movimento de seu alvéolo sobre si próprio. O dia, a noite, os meses, as
estações, os anos, as chuvas, os ventos, etc., são produto dos diferentes tipos de
evaporação. Assim, urna evaporação brilhante, acesa no circulo do Sol, faz o dia, a
evaporação contraria, a noite. O calor nascido da luz produz o verão, e a umidade,
nascida das trevas e acumulada, o inverno. Heraclito da as causas de todos os outros
fenômenos por razões semelhantes. Não explica, contudo, a natureza da Terra, assim
como não explica os alvéolos. Estas eram as suas teorias. O Sol é um fogo inteligente, vindo do mar. E Heráclito censura o poeta por ter dito: "Cesse a discórdia entre os deuses e entre os
homens!" Pois Uso poderia haver harmonia na música se não houvesse sons graves e
agudos, assim corno não poderia haver animais sem o macho e a fêmea, os quais são
contrários, Heráclito liga, conforme. os estóicos, a nossa razão corri a razão divina, que rege e
modera as coisas deste mundo: devido à sua união inseparável chega a conhecer as
decisões da razão uni -versa( e, enquanto dormem as almas, anuncia-lhes, com a ajuda
dos sentidos, o futuro. Disto surgem as imagens de lugares desconhecidos, e figuras de
homens, tanto vivos como mortos. Fala também do emprego das adivinhações e diz
dignos homens terem sido admoestados pelas forças divinas. Conta-se ter dito 'Heráclito a estranhos que o queriam visitar e espantaram-se ao vê-lo
aquecer-se junto ao fogo: podeis entrar, aqui também moram deuses. Heráclito diz que o fogo periódico e eterno (é Deus). O destino e a lei universal
(Logos), e forma as coisas em consequência do movimente dos contrários. Tudo
obedece ao destino, e ele, C idêntico a necessidade. Heráclito diz, que a alma do mundo é a exalação de sua umidade; a alma dos seres
vivos vem da exalação exterior e de sua própria, sendo homogênea (a alma do mundo). (Heráclito diz ser a alma imortal), pois após sua separação do corpo volta a alma
universal, ao homogêneo. Heráclito explica a alma como uma centelha da substância estelar. Admitindo que o homem e dotado de duas possibilidades para o conhecimento da
verdade, a percepção sensível e a razão, afirmava Heráclito, assim como os físicos
anteriormente. citados, serem duvidosos os conhecimentos adquiridos pela percepção
sensível; considerava a razão, por outro lado, como critério da verdade Refuta a
percepção sensível ao dizer: "Más testemunhas para os homens são os olhos e os
ouvidos se suas almas são bárbaras", o que é como se tivesse dito: "São as almas
bárbaras que confiam na percepção sensível, desprovida de razão." Explica a razão como
critério da verdade, mas não qualquer razão indiferentemente, e sim a comum e divina.
Elucido o que com isto quer dizer. Pois este filósofo sustenta que é dotado de razão e
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apto de pensamento o que nos cerca ( ... ). Esta razão divina, conforme Heráclito, nós a
aspiramos, tornando-nos assim aptos ao pensamento, inconscientemente quando.
dormimos, conscientemente quando acordados. Pois, fechando-se as aberturas de
nossos órgãos sensíveis durante o sono, desliga-se o espírito em nós de sua relação
com o que nos cerca; só permanece a relação através do respirar, como uma espécie de
raiz. Assim, devido a esta separação, perde (o espírito) a força do pensamento, que antes
possuía. Durante a vigília, ao contrário, estende-se novamente através das aberturas de
nossos órgãos sensíveis, como por uma janela, para fora, entrando em relação com o
que nos cerca e reassumindo sua possibilidade de pensamento. Da mesma forma como
o carvão se transforma em brasa quando aproximado do fogo, e apaga-se quando dele
afastado, assim também a parte daquilo que nos cerca, residente como hóspede em
nossos corpos, perde quase sua racionalidade, em conseqüência da separação; mas
torna-se semelhante a razão universal, pela relação estabelecida através da maioria das
aberturas (de nossos órgãos sensíveis). Esta razão comum e divina, pela participação da
qual nos tornamos racionais, conforme Heráclito, é o critério da verdade. Por isto, o
comum a todos é digno de fé (pois é compreendido pelo Logos comum e divino); aquilo
que, ao contrario, se restringe a um só, não é digno de fé, por razões inversas. ( ... ) tudo
fazemos e pensamos graças a nossa participação do Logos divino ( ... ). Este ponto de
vista, porém, não e mais que a correta explicação do governo do todo universal. Em
conseqüência, conhecemos a verdade, na medida de nossa lembrança aquela
participação; quando pensamos por nós mesmos, incidimos em erro. - Assim sustenta
Heráclito' a razão comum como critério e o compreendido por todos como digno de fé,
pois julgado pela razão comum; e o pensamento de urna única pessoa, corno falso. Diz-se considerar Heráclito a satisfação como finalidade da vida humana.
PITÁGORAS DE SAMOS - O que se conhece da figura de Pitágoras pertence mais ao mundo da lenda que à
realidade. Atingiu o acme de sua existência em 530 a.C. Pessoa de difícil acesso, fundou
uma escola para iniciados, e defendia uma doutrina mais religiosa que filosófica. A
doutrina era considerada secreta, e a transgressão desta norma acarretava excomunhão;
tal teria sido o castigo de Hípaso. lá por esta razão tem-se por certo que Pitágoras, não
deixou obra escrita, e o conhecimento de sua doutrina coloca problemas insolúveis, pois
só mais tarde, no tempo de Platão, começaram a surgir os primeiros escritos
importantes. O que se conhece de seu pensamento e baseado nestas fontes posteriores,
não sendo possível, em conseqüência, i . r muito além da conjetura. Embora não haja
certeza, é provável` que tenha estado no Egito e na Babilônia, viagens fundamentais para
o desenvolvimento de sua doutrina esotérica. Mas importante para este desenvolvimento
foi o surto de primitivas crenças gregas, que se verificou em sua época. 47
Parece que o ponto central de sua doutrina religiosa é a crença na transmigração das
almas, aliada a uma forma de vida altamente ascética. Este ascetismo liga-se
basicamente ao problema do sacrifício de seres vivos e à alimentação. Mas não Hades
nenhuma certeza sobre o conteúdo e a extensão destes elementos. Também é difícil
estabelecer os aspectos da doutrina atribuíveis ao próprio Pitágoras e distingui-los dos
que foram elaborados pelos seus discípulos. Em três pontos, contudo, parece que não
pode haver dúvida: a idéia de que o Número e o primeiro principio; o Número e suas
relações ou "harmonias" são os elementos de todas as coisas; o estudo da Número
reflete-se também no comportamento humano. A forma dualista da teoria dos opostos,
de tão largas conseqüências para todo o pensamento pré-socrático, também pode ser
atribuída a Pitágoras. A descoberta de verdades de ordem matemática, sobretudo do
famoso teorema que lhe é atribuído.
DOXOGRAFIA: Pitágoras, filho de Mnesarco, praticou a investigação mais do que os outros homens,
e tendo escolhido estes escritos (por ele, estudados), extraiu deles a sua própria
sabedoria: polimatia, falsa arte. A polimatia não instrui a inteligência Não fosse assim, teria instruído Hesíodo e
Pitágoras, Xenófanes e Hecateu. Não existem fragmentos. E vivia entre eles um homem de extraordinário saber, dono da maior riqueza de
pensamento e altamente versado em toda espécie de obras sábias. Pois quando se
elevava com todas as forças do pensamento, via com facilidade cada uma das coisas em
suas dez e vinte vidas humanas. O que Pitágoras, dizia a seus discípulos, ninguém pode saber com segurança, pois
nem o silêncio era casual entre eles. Contudo, eram especialmente conhecidas, conforme
o juízo de todos, as seguintes doutrinas: a que afirma ser a alma imortal; que
transmigra de uma a outra espécie animal; que dentro de certos períodos, o que ia
aconteceu uma vez, torna a acontecer, e nada é absolutamente novo, e que e
necessário julgar que todos os seres animados estão unidos por laços de parentesco. De
fato, parece ter sido Pitágoras, quem introduziu por primeira vez estas crenças na Grécia. E conta-se que passava Pitágoras, ao ser castigado um pequeno cão; sentiu piedade e
pronunciou as seguintes palavras: "Pára de bater. Pois e a alma de um amigo meu, que
reconheci ao ouvir os seus gemidos."
DOXOGRAFIA SOBRE PITAGÓRICOS ANÔNIMOS: Também a afirmação de que uma harmonia e engendrada pelo movimento dos astros,
como sons produzidos sinfonicamente, foi apresentada com elegância e penetração por
quem a disse, sem atingir, contudo, a verdade. Alguns pensadores deduzem que
necessariamente o movimento de corpos tão grandes deve produzir um som. Pois isto ia
acontece com corpos sobre esta Terra, embora não tão grandes e transportados por
movimentos de menor velocidade. Assim, a enorme velocidade do sol e da lua e de
astros em tão grande número e tamanho, deve necessariamente produzir sons
prodigiosos. Admitem isto e também que a (diversa) distancia (dos astros de seu ponto
central) corresponde as relações numéricas da harmonia musical. E como resultasse
absurdo que não ouvimos este som, explica que o ouvimos desde o nascimento, e em
conseqüência falta o contraste com o silêncio necessário para que o possamos perceber.
Pois a distinção do som e a do silêncio estão reciprocamente condicionadas,
acontecendo-nos o que acontece aos ferreiros que, por habito, já não ouvem as batidas
de seu martelo. Enquanto a maior parte afirma que a Terra esta colocada no centro, os itálicos
chamados pitagóricos, dizem o contrario: asseveram que o fogo ocupa o lugar central; a
Terra, sendo um dos astros, move-se circularmente em torno do centro, produzindo
assim noite e dia. Constroem outra Terra, contraposta a esta, que chamam de antiterra,
buscando suas hipóteses e causas, não nas manifestações celestes, mas na
subordinação destas a certas teorias e opiniões suas, tentando combiná-Ias
harmonicamente. Também a muitos outros pensadores parecia desnecessário atribuir a
Terra a posição central, deduzindo esta convicção, não dos fenômenos e sim de puros
raciocínios. Julgam que o mais excelente deve ocupar o lugar mais excelente; e que o
fogo é mais excelente que a terra, o limite mais excelente do que o espaço intermediário,
sendo que limites são o extremo e o centro. Os assim chamados pitagóricos, tendo-se dedicado às matemáticas foram os
primeiros a fazê-las progredir. Dominando-as, chegaram à convicção de que o princípio
das matemáticas é o principio de todas as coisas. E corno os números são, por natureza,
os primeiros entre estes princípios, julgando também encontrar nos números muitas
semelhanças com seres e fenômenos, mais do que no fogo, na terra e na água,
afirmavam a identidade de determinada propriedade numérica com a justiça, uma outra
com a alma e o espírito, outra ainda com a oportunidade, e assim todas as coisas
estariam em relações semelhantes; observando também as relações e leis dos números
com as harmonias musicais parecendo-lhes, por outro lado, toda a natureza modelada
segundo os números, sendo estes os princípios da natureza, supuseram que os
elementos dos números são os elementos de todas as coisas e que todo o universo, harmonia e número. E recolheram e ordenaram todas as concordâncias que encontravam
nos números e harmonias corri as manifestações e partes do universo, assim como com
a ordem total. A doutrina dos pitagóricos parece descansar sobre os mesmos princípios Alguns
deles declaram a alma composta da poeira do ar e outros do movimento desta. Formaram
esta idéia devido ao constante movimento em que e vista (a poeira), mesmo na completa
calma do vento. ( ... ) procuram apenas esclarecer a essência da alma; sobre o corpo que deve contê-la
nada dizem, como se fosse possível conforme o mito pitagórico, fazer qualquer alma
entrar em qualquer corpo. Por isto explicam muitos filósofos a alma como harmonia (dos opostos do corpo);
outros afirmam que ela possui harmonia.
PARMÊNIDES DE ELÉIA - Pouco se sabe sobre a vida de Parmênides. Alguns autores colocam o acme de sua
existência no ano 500 a.C.; outros, em 475 a. C. Natural de Eléia, na sul da Itália, parece
ter pertencido a uma família rica e de alta posição social. Supõe-se que em Eléia tenha
conhecido Xenófanes. Segundo a tradição, seus primeiros contatos filosóficos foram
com a escola pitagórica, especialmente . com Ameinias. O poema de Parmênides. nos oferece - ao lado dos fragmentos de Heraclito - a doutrina
mais profunda de todo o pensamento pré-socrático. Mas é também a de mais difícil
interpretação. O poema divide-se em três partes: o prólogo, o caminha da verdade e o
caminho da opinião. Pitagóricos são também Filolau, Arquitas e, possivelmente, Alcmeão. Veja-se, mais
adiante, a coleção de fragmentos destes pensadores. No prólogo, o filósofo é conduzido à presença da deusa, que lhe promete a
revelação da verdade. A deusa, portanto, é quem fala. No fim do prólogo, o poema
distingue "o coração i . inabalável da verdade bem redonda", das "opiniões dos mortais",
o que permite distinguir as duas partes subseqüentes da doutrina. A doutrina do, caminho da verdade estende-se do frag. até quase o fim do frag. 8. já no
frag. 2, o filosofo distingue dois caminhos de investigação, o do ser e o do não-ser,
sendo que o primeiro é a caminho da certeza, pois conduz à verdade, e o segundo
permanece imperscrutável para o homem. Trata-se, pois, de pensar o ser. E o núcleo da
doutrina parmenídica está na sua afirmação de que pensar e ser é o mesmo (frag. 3). No
frag. 8, Parmênides. define o ser e encontra nele a medida do pensar. A terceira parte do poema começa no penúltimo parágrafo do frag. 8 ("Com isto ponho
fim ao discurso digno de fé que, te dirijo"... ), e ocupa-se do caminho da opinião. Aqui,
Parmênides . desenvolve a sua cosmologia. Desde a antigüidade discute-se o modo
como estas duas partes do poema possam ser conciliadas.
FRAGMENTOS : Os cavalos que me conduzem levaram-me tão longe quanto meu coração poderia
desejar, pois as deusas guiaram-me, através de todas as cidades, pelo caminho famoso
que conduz o homem que sabe. Por este caminho fui levado; pois por ele, me conduziam
os prudentes cavalos que puxavam meu carro, e as moças indicavam o caminho. O eixo, incandescendo-se na maça - pois em ambos os lados era movido pelas rodas
girantes, emitia sons estridentes de flauta, quando as filhas do sol, abandonando as
moradas da noite, corriam a luz, rejeitando com as mãos os véus que lhes cobriam as
cabeças. Lá estão as portas que abrem sobre os caminhos da noite e do dia, entre a verga, ao alto,
e em baixo, uma soleira de pedra. As portas mesmas, as etéreas, são de grandes
batentes; a justiça, deusa dos muitos rigores, detém as chaves de duplo uso. A ela
falavam com doces palavras as moças, persuadindo-a habilmente a abrir-lhes os
ferrolhos trancados. As portas abriram largamente, girando em sentido oposto os seus
batentes guarnecidos de bronze, ajustados em cavilhas e chavetas; e através das portas,
sobre o grande caminho, as moças guiavam o carro e os cavalos. A deusa acolheu-me afável tomou-me a direita em sua mão e dirigiu-me a palavra nestes
termos: Oh! jovem, a ti, acompanhado por aurigas imortais, a ti, conduzido por estes
cavalos a nossa morada, eu saúdo. Não foi um mau destino que te colocou sobre este
caminho (longe das sendas mortais), mas a justiça e o direito, Pois deves saber tudo,
tanto o coração inabalável. da verdade bem redonda, como as opiniões dos mortais, em
que não há certeza. Contudo, também isto aprenderás: como a diversidade das
aparências deve revelar uma presença que merece ser recebida, penetrando tudo
totalmente. E agora vou falar; e tu, escuta as minhas palavras e guarda-as bem, pois vou dizer-te
dos únicos caminhos de investigação concebíveis. O primeiro (diz) que (o ser) é e que o
não-ser não é; este é o caminho da convicção, pois conduz ' verdade. o segundo, que
não e, é, e que o não-ser é necessário esta via, digo-te, é imperscrutável; pois não podes
conhecer aquilo que não - isto e impossível -, nem expressá-lo em palavra. Pois pensar e ser é o mesmo. Contempla como, pelo espírito, o ausente, com certeza, se torna presente; pois ele,
não separará o ser de sua conexão ao ser, nem para desmembrar-se - se em uma
dispersão universal e total segundo a sua ordem, nem para reunir-se. Pouco me importa por onde eu comece, pois para lá sempre voltarei novamente. Necessário é dizer e pensar que só o ser e; pois o ser é, e o nada, ao contrario, nada
e: afirmação que bem deves considerar. Desta via de investigação, eu te afasto; mas
também daquela outra, na qual vagueiam os mortais que nada sabem, cabeças duplas.
Pois a ausência de meios que move, em seu peito, o seu espírito, errante. Deixam-se
levar, surdos e cegos, mentes obtusas, massa indecisa, para a qual o ser e o não-ser é
considerado o mesmo e não o mesmo, e para a qual em tudo há uma via contraditória. Jamais se conseguira provar que o não-ser é; afasta, portanto, o teu pensamento desta
via de investigação, e nem te deixes arrastar a ela pela múltipla experiência do hábito, nem governar pelo olho sem visão, pelo ouvido ensurdecedor ou pela língua; mas com a
razão decide da muito controvertida tese, que te revelou minha palavra. Resta-nos assim um único, caminho: o ser e, Neste caminho há grande numero de
indícios: não sendo gerado, e também imperecível; possui, com efeito, uma estrutura
inteira, inabalável. e sem meta; jamais foi nem será pois e, no instante presente, todo
inteiro, uno, contínuo , o. Que geração se lhe poderia encontrar? Como, de onde
cresceria? Não te permitirei dizer. nem pensar o seu crescer do não-ser. Pois não é
possível dizer nem pensar que o não-ser é. Se viesse do nada, qual necessidade teria
provocado seu surgimento mais cedo ou mais tarde? Assim pois, e necessário ser
absolutamente ou não ser. E jamais a força da convicção concedera que do não-ser
possa surgir outra coisa. Por isto, a deusa da justiça não admite, por um afrouxamento
de suas cadeias, que nasça ou que pereça, mas mantêm-no firme. A decisão sobre este
ponto recai sobre a seguinte afirmativa: ou é ou não é. Decidida esta, portanto, a
necessidade de abandonar o primeiro caminho, impensável e inominável (não é o
caminho da verdade); o outro, ao contrário, é presença e verdade. Como poderia perecer
o que é? Como poderia ser gerado? Pois se gerado, não e, e também não é, se devera
existir algum dia. Assim, o gerar se apaga e o perecimento se esquece. Também não é divisível, pois é completamente idêntico. E não poderia ser acrescido, o
que impediria a sua coesão, nem diminuído; muito mais, pleno de ser; por isto, é todo
contínuo, porque o ser é contíguo ao ser. Por outro lado, imóvel nos limites de seus poderosos liames, é sem começo e sem fim;
pois geração e destruição foram afastadas para longe, repudiadas pela verdadeira
convicção. Permanecendo idêntico e em um mesmo estado, descansa em si próprio,
sempre imutavelmente fixo e no mesmo lugar; pois a poderosa necessidade o mantém
nos liames de seus limites, que o cercam por todos os lados, porque o ser deve ter um
limite; corri efeito, nada lhe falta; fosse sem limite, faltar-lhe-ia tudo. O mesmo é pensar e o pensamento de que o ser e, pois jamais encontraras o
pensamento sem o ser, no qual é expressado. Nada e nada poderá ser fora do ser, pois
Moira o encadeou de tal modo que seja completo e imóvel. Em conseqüência será
(apenas) nome tudo o que os mortais designaram, persuadidos de que fosse verdade:
geração e morte, ser e não-ser, mudança de lugar e modificação do brilho das cores. Porque dotado de um ultimo limite, e completo em todos os lados, comparável a massa
de uma esfera bem redonda, equilibrada desde seu centro em todas as direções; não
poderia ser maior ou menor aqui ou ali. Pois nada poderia impedi-lo de ser homogêneo,
nem aquilo que e não e tal que possa ter aqui mais ser do que lá, porque e
completamente integro; igual a si mesmo em todas as suas partes, encontra-se de
maneira idêntica em seus limites. Com isto ponho fim ao discurso digno de fé que te dirijo e as minhas reflexões sobre a
verdade; e a partir deste ponto aprende a conhecer as opiniões dos mortais, escutando a
ordem enganadora de minhas palavras. Eles convieram em nomear duas formas, uma das quais não deveria sê-lo neste ponto
enganaram-se; separaram, opondo-as, as formas, atribuindo-lhes sinais que as divorciam
urnas das outras: de um lado, o fogo etéreo da chama, suave e muito leve, idêntico a si
mesmo em todas as partes, mas não idêntico ao outro; e de outro lado, esta outra que
tomaram em si mesma, a noite obscura, pesada e espessa estrutura. Participo-te toda
esta ordem aparente do mundo, a fim de que não te deixes vencer pelo pensamento de
nenhum mortal. Após terem sido todas (as coisas) denominadas luz e noite, e aquilo que está de
acordo com a sua força ter sido atribuído como nome a todas as coisas, tudo,
concomitantemente tem ente, está pleno de luz e de noite invisível, uma e outra em
igualdade; pois nada existe que não participe de um ou de outro. Conheceras a essência do éter e todas as constelações no éter, e a ação
consumidora dos puros e límpidos raios do sol, e de onde provêm; e aprenderás a
circulação e a essência da lua arredondada; conhecerás também o céu circundante, de
onde surgiu e como a necessidade que o dirige o constrange a manter os limites dos
astros. ( ... )como a Terra e o Sol e a Lua e o éter universal e a celeste via-láctea e o Olimpo
mais extremo E também como a cálida força das estrelas. começaram a existir. Os (anéis) mais estreitos estão cheios de fogo sem mistura; os (seguintes) estão
cheios da noite, mas entre ambos está projetada a parte de fogo; no centro destes (anéis)
esta a divindade que tudo governa; pois em tudo ela é o princípio do cruel nascimento e
da união, enviando o feminino a unir-se com o masculino, corno, ao contrario, o
masculino com o feminino. Em primeiro lugar criou (a divindade do nascimento ou do amor), entre todos os
deuses, a Eros ( ... ). (A Lua:) Brilhante durante a noite, luz estranha errante em torno a Terra. (A Lua:) Sempre olhando para os raios do Sol.(A Terra:) Enraizada na água. Assim como cada um detém uma mistura própria ao movimento pródigo de seus
membros, assim o espírito se apresenta no homem. Pois é em cada um e em todos os
homens aquilo que pensa, as propriedades internas dos membros: e o pensamento
predomina. À direita os moços, a esquerda as moças. Quando mulher e homem misturam as sementes do amor, a força, quando em
equilíbrio, forma nas veias, de sangues diferentes, corpos bem constituídos. Mas se, ao
misturarem-se as sementes, as forças permanecem em luta e não produzem uma união
no corpo que resulte da mistura, afligirão funestamente a vida nascente por duplicidade
de sexo. Assim, segundo a opinião, estas coisas vieram a luz e cada uma os homens
atribuíram um nome que lhes e próprio.
DOXOGRAFIA: Contra Parmênides, os mesmos métodos podem ser empregados nos raciocínios que
se lhe opõem, se há os que lhe são particulares; e a refutação se formula assim: por um
lado, as premissas são falsas, por outro, a conclusão não e valida. As premissas são
falsas porque tomam o ser em sentido absoluto, quando as suas acepções são múltiplas;
a conclusão não e válida, porque se tomam como dados únicos as coisas brancas, o ser
sendo significado pelo branco, as coisas brancas não serão menos multiplicidade e não
unidade. Pois nem pela continuidade nem pela definição será o branco uno. É preciso
distinguir, em seus conceitos, o branco e seu sujeito, sem que isto nos obrigue a
colocar, fora do objeto branco, algo de separado, porque não e como coisas separadas,
mas pelo conceito, que o branco e o eu sujeito são diferentes. O que não foi
compreendido por Parmênides. Parmênides foi o primeiro a demonstrar a esfericidade da Terra e sua posição no
centro do mundo. Segundo ele, existem dois elementos: o fogo e a terra. O primeiro
elemento é criador, o segundo C matéria. Os homens nasceram da terra. Trazem em si o
calor e o frio, que entram na composição de todas as coisas. O espírito e a alma são para
ele uma única e a mesma coisa... Há dois tipos de filosofia, urna se refere a verdade e a
outra à opinião. Parmênides e Melisso suprimem a gênese e a destruição, pois consideram o universo
imutável. O imóvel, o limitado e o esferóide é Deus. Parmênides e Demócrito: Tudo acontece por necessidade; uma e a mesma coisa são
fatalidade, justiça, providência, autor do mundo. Parmênides se opõe a Empédocles: diz que os países do norte engendraram os
machos, que participam mais do denso, ao passo que os países do sul deram
nascimento as fêmeas, nas quais . predomina . em o subtil.
ZENÃO DE ELÉIA - Atingiu o acme de sua existência entre 464 e 461 a.C. Foi, com certeza, discípulo de
Parmênides. Morreu numa conspiração contra o tirano Nearcos de Eléia: descoberto e
submetido a torturas, deveria revelar o nome de seus comparsas; a recusa custou-lhe a
vida. Parece que o seu livro foi escrito na juventude. Defensor apaixonado da doutrina de
Parmênides. defende-a contra os seus opositores. espírito, polêmico, introduz um novo
método: em vez de refutar diretamente a posição dos adversários, aceita-a
aparentemente para mostrar então suas contradições. Se o múltipla e suas implicações
forem aceitos, a contradição das conseqüências mostra-se em toda a sua força, por uma
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redução ao absurdo, Parece que Zenão elaborou quarenta destas deduções, o que fez;
Aristóteles chamá-lo de fundador da dialética.
FRAGMENTOS: Se o que existe não tivesse grandeza não existiria. Mas se existe, cada (parte) terá
necessariamente certa grandeza e certa espessura e uma deverá estar a certa distancia
de outra. E o mesmo pode ser dito para a que estiver frente a ela. Também esta terá
grandeza e outra (parte) estará frente a ela. O mesmo se pode dizer uma vez e repeti-lo
sempre. Pois nenhuma parte dele será o limite extremo, e nunca estará uma sem relação
com a outra. Se, portanto, as coisas existem em multiplicidade, deverão ser
concomitantemente grandes e pequenas: pequenas até não possuírem grandeza e
grandes até o ilimitado. (Em seu livro, rico em demonstrações, mostra que quem admite a multiplicidade, cal
em contradição. -Uma destas demonstrações é a seguinte. Quer mostrar que, se há
multiplicidade, esta deve ser grande e pequena, grande até o ilimitado, e pequena, queria
até o nada. E com isto tenta dizer que Lima coisa, destituída de grandeza, de espessura e
de massa, não poderia existir.) Pois se acrescentada . a uma outra coisa (assim se
expressa), não a aumentaria em nada. Porque se uma grandeza igual a nada for
acrescentada (a uma outra), esta não poderia resultar aumentada. E o acrescentado seria
(igual a) nada. Quando, ao contrário, pela subtração de uma grandeza de outra coisa,
esta não se tornar menor, e, por outro lado, quando adicionada a outra coisa, esta não se
tornar maior, faz-se evidente que o adicionado, como o subtraído, nada é. 60
3 - (Zenão escreve, ao mostrar que a multiplicidade traz em si a contradição do limitado e
do ilimitado em coisas idênticas, o seguinte:) Se existem muitas (coisas), então deverão
existir, necessariamente, tantas quantas existem, nem mais, nem menos. E se existem
tantas quantas são, deverão ser limitadas (em numero). Se existem muitas (coisas) são (numericamente) ilimitadas. Pois há sempre entre elas
outras, e entre estas ainda outras. E assim são elas ilimitadas. (Zenão nega o movimento quando afirma:) O móvel não se move nem no espaço no
qual se encontra, nem naquele no qual não se encontra.
DOXOGRAFIA: Não sabemos todos que o Palamedes eleático discutia com tal arte que aos ouvintes
as mesmas coisas pareciam semelhantes e dessemelhantes, unas e múltiplas, em
repouso e em movimento? Sim, Sócrates, respondeu Zenão, ainda não compreendeste o verdadeiro significado
de meus escritos... Estes escritos intentam apoiar as teses de Parmênides contra os que
pretendem ridicularizá-lo, pois, dizem, se tudo é um, derivar-se-ia multidão de
conseqüências ridículas de sua tese, contraditórias a ela. Estes escritos respondem,
pois, aos que afirmam a multiplicidade das coisas, refutando as suas objeções; querem
mostrar que a hipótese deles seria ainda mais ridícula se existisse a multiplicidade do
que a de existir a unidade. Sócrates pediu-lhe que relesse a primeira proposição do primeiro capítulo. Isto feito,
disse: "0 que queres dizer, Zenão? Que, se os seres são múltiplos, uma e a mesma coisa
deve ser semelhante e dessemelhante? Ora, isto e impossível, pois o dessemelhante?
não pode ser semelhante, nem o semelhante dessemelhante. Não é isto o que queres
dizer?" - "Sim", respondeu Zenão. "Se C impossível que o dessemelhante seja
semelhante e o semelhante dessemelhante, impossível também é a multiplicidade, pois
se existisse, incorreria em contradição. A finalidade de teus argumentos não é
precisamente de provar, contra a opinião comum, a inexistência da multiplicidade? Não
pensas que cada um dos teus argumentos é uma prova, crendo possuíres assim tantos
argumentos quantas provas tenhas apresentado sobre a inexistência da multiplicidade?
É isto o que queres dizer, ou sou eu quem não te compreende bem?" "Não", disse Zenão,
"ao contrário, bem compreendeste a intenção de meu livro." Eudemo diz. Zenão, discípulo de Parmênides, procurava provar a impossibilidade da
multiplicidade das coisas. Fazia isto baseado no argumento de que nenhuma das coisas
é uma unidade, mas que a multiplicidade e uma sorna de unidades. Se a unidade absoluta fosse indivisível, pelo axioma de Zenão nada seria. Pois aquilo
que, quando acrescentado, não torna maior um objeto, e quando subtraído não o torna
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menor, não pertence, diz ele, as coisas existentes; evidentemente por julgar grandeza
espacial tudo o que existe. E se grandeza espacial, então C corpóreo, pois o corpóreo,
existe em todas as dimensões. Por outro lado, a dificuldade apresentada por Zenão, dizendo que se o lugar e alguma
coisa, deve estar em alguma coisa, não C de difícil. solução. Pois nada impede esteja o
primeiro lugar em outra coisa, não, contudo, como naquele lugar ( ... ) .A dificuldade de Zenão exige ser discutida; pois se todo ser ocupa um lugar, é
evidente que haverá um lugar do lugar, e assim ao infinito. Há quatro argumentos de Zenão sobre o movimento, fonte de dificuldades para quem
os quiser resolver. No primeiro, a Impossibilidade do movimento é deduzida do seguinte
modo: o móvel transportado deve atingir primeiro a metade antes de atingir o termo (. . .
). O segundo chama-se de Aquiles. É o seguinte: o mais lento em uma corrida jamais será
alcançado pelo mais rápido; pois este o perseguidor, deverá primeiro atingir o ponto de
onde partiu o fugitivo e assim o lento estará sempre mais adiantado. É o mesmo
raciocínio que o da dicotomia: a única diferença está em que, se a grandeza
sucessivamente acrescentada estiver bem dividida, ela não o será em dois. Conclui-se do
argumento que o mais lento não será alcançado pelo mais rápido; e Isto pela mesma
razão da dicotomia: nos dois casos conclui-se pela impossibilidade em atingir o limite,
estando a grandeza dividida de uma ou outra maneira; mas, neste, acrescenta-se que
mesmo este herói em velocidade não poderá alcançar, em sua perseguição, o mais lento
( ... ). Estes são dois dos argumentos. O terceiro ( ... ) pretende que a flecha, em seu vôo esteja
imóvel. Deriva-se da suposição de um tempo composto de instantes; recusada esta
hipótese, cessa o silogismo. O quarto baseia-se no movimento em sentido contrario de massas iguais, em um estádio,
ao longo de outras massas iguais, umas a partir do fim do estádio, outras do meio, em
velocidades iguais; pretende-se na conclusão que a metade do tempo seja igual ao seu
dobro. O paralogismo consiste em aceitar que uma grandeza igual move-se, com igual
velocidade, em um tempo igual, quer seja ao longo do que e movido, quer ao longo do
que esta em repouso. Isto, contudo, é um erro.
GERD A BORNHEIM