domingo, 29 de outubro de 2017

O TEMPO EM HEIDEGGER E OUTROS

O tempo de Heidegger e outros


O Espaço


Se não me perguntam, creio saber o que é o tempo, mas se me questionam, não sei mais. Santo Agostinho

Na medida em que começamos a análise das questões ontológicas relacionadas ao tempo enquanto fenômeno do mundo ou representação do ser, nos deparamos com a visão de Heidegger que estabelece em Ser e Tempo o conceito do ser-no-mundo. O filósofo conceitua o mundo não como a esfera planetária que gravita em nosso sistema solar, ou como porção espacial e geometricamente dimensionada de território, tão pouco o conjunto de relacionamentos que identificamos como sociedade, ou relaciona a conceitos da teoria geral do estado como nação, pátria ou povo. Não é incomum vermos a expressão mundo valer-se destas idéias. O que devemos compreender, com clareza, é a visão do escritor que dá a conotação de morada. O mundo na acepção de Heidegger é nosso ambiente de ex-sistence, o conjunto de coisas que circunscreve o ser em constante interação e modificação. Nosso mundo é de nosso completo entendimento intuitivo onde efetivamente nos relacionamos independentemente de conhecermos o conjunto infinito de inter-relações físicas e químicas ou de o compreendermos como objeto de estudo analítico. O que o filósofo procura nos fazer ver é que o mundo enquanto objeto de inferência científica, que nos interroga e provoca a vertigem da incompreensão, em teorias que se sucedem em busca do entendimento, este universo estatuído por Descartes e Kant e descortinado por Galileu e Newton passou a ser encarado como O Mundo. É a Fenomenologia que nos convida a enxergá-lo da maneira como ele realmente é visto, em suas representações cognoscíveis. O mundo à mão onde toda a sua mundanindade se encontra à nossa volta e disposição.

Caso se prefira, o mundo é a própria condição de possibilidade da relação sujeito-objeto, ou, melhor o ser-no mundo é a condição de possibilidade da intencionalidade da “consciência”. Em todo o caso, o mundo não é nada, nada de ente-para-além-do-ente, aberto, ele é, no entanto sua condição de possibilidade, a condição fenominalizante. Este para além possibiltador pode ser nomeado: transcendência. O mundo é transcendente. E o transcendente por excelência é o Dasein que abre o mundo em projeto, transcendente na medida em que se atém e sustém essa abertura (Dubois 2004 : 31).

É dentro desta ótica que Heidegger contraria os preceitos da física elementar que pensa o espaço de forma independente dos seres em sua forma absoluta e pura. O ser-no-mundo subverte esta ordem na medida em que o teclado do computador esta mais distante de mim que minha assistente na sala ao lado que neste exato momento busca minha atenção.

O espaço assim aberto com a mundanidade do mundo ainda não tem nada a ver com o conjunto das três dimensões. Neste abrir-se mais imediato, o espaço enquanto puro continente de uma ordem métrica de posições e de uma determinação métrica de postos ainda prevalece velado. Com o fenômeno de região, indicamos a perspectiva em que o espaço se descobre previamente no Dasein (Não consta efetivamente neste texto o conjunto de informações que permitiriam uma boa definição da expressão Dasein que possa socorrer aos não familiarizados com a clássica expressão de Heidegger. Na conclusão deste trabalho temos alguns trechos que pode, no entanto, oferecer alguma ajuda.) (Heidegger 2009 : 167).

A expressão região poderia ser definida como um lócus referenciado pelo Dasein onde se encontram um conjuntos de entes como a região morada, região escola ou mesmo região cozinha. São o que o mestre chama de em torno de e de circundâncias em uma perspectiva de um mundo como um todo instrumental à mão do Dasein.

A ruptura que ele propõe na tradição do pensamento e que serve de fundamento para toda a geometria Euclidiana é extremamente radical em razão de abandonar o conceito de espaço mensurável onde o ser se coloca em percurso. A espacialidade do ser que se abre para o mundo ocorre no âmbito desta própria abertura no ambiente com sua ontológica característica da mundanidade do ser-no mundo.

O Da do Dasein por si só registra a espacialidade da existência e a projeta para onde as coisas estão, não no sentido de suas coordenadas dimensionais de tempo e espaço, mas onde elas efetivamente se encontram apresentadas. A maneira como nos locomovemos no espaço e lançamos mão das coisas é pautada não pela nossa capacidade de medir distâncias e cronometrar tempos, não pela nossa capacidade de verificar o mundo matematicamente. Longe disso, nossa capacidade de orientação e de interação espacial e temporal parece ser um atributo concernente a nossa própria existência. O fator determinante de localização de uma coisa que esta à mão é a sua regionalidade, sua situação relativa em relação a determinados referenciais. A distribuição dos entes no espaço se estabelece de acordo com a quotidianidade do existir no mundo. Suas referências se estabelecem entre si de acordo com as preocupações do dia a dia e se fixam de acordo com sua finalidade instrumental. Este conjunto de entes que somente se apresentam como ferramentas diante de observação detida, acabam por escapar de nossa visão cotidiana, a nossa circunvisão, o que faz que um determinado objeto tenha uma espacialidade sempre correlacional na maneira como o Dasein o referencia, como à mão ou ao alcance da mão ou diante da mão, por exemplo.

A espacialidade que o Dasein estabelece no que se refere a avaliação descritiva da distância fixa-se em intervalos aferidos pelo quotidiano dele mesmo.

Assim dizemos: até lá é um passeio, é um pulo, são “dois passos”. Essas medidas exprimem que elas não apenas não querem “medir” como também indicam que as distâncias avaliadas pertencem a um ente com que lidamos numa circunvisão da ocupação. Mesmo quando nos servimos de medidas precisas e dizemos: “até em casa é meia hora”, essa medição deve ser tomada como uma avaliação, pois aqui “meia hora” não são trinta minutos, mas uma duração que não possui tamanho. No sentido de extensão qualitativa. Essa duração é interpretada, cada vez, segundo as ocupações cotidianas de nossos hábitos. As distâncias são avaliadas, em primeiro lugar, de acordo com a circunvisão, mesmo quando se conhecem medidas estabelecidas “oficialmente” (Heidegger. 2009 : 159).

A partir deste conceito podemos claramente asseverar que as noções de emergência e urgência podem influir na espacialidade da distância que sempre se encontra conhecida de forma implícita no manual intramundano. Ao contrário, quando o espaço se apresenta como área tridimensional e mensurável pela técnica o mundo perde seu espaço passando a significar um conjunto de coisas dotadas de extensão e simplesmente dadas.

No fenômeno do espaço, não se pode encontrar nem a única e nem a determinação ontológica primordial do ser dos entes intramundanos. Tampouco ele constitui o fenômeno do mundo. O espaço só pode ser concebido recorrendo-se ao mundo. Não se tem acesso ao espaço, de modo exclusivo ou primordial, através da desmundanizaçao do mundo cricundante. A espacialidade só pode ser descoberta a partir do mundo e isso de tal maneira que o próprio espaço se mostra também um constitutivo do mundo, de acordo com a espacialidade essencial do Dasein, no que respeita à sua constituiçao fundamental de ser-no-mundo (Heidegger. 2009 : 168).

Essa radical ruptura com a abstração que a tradição vem definindo o tema parece de capital importância no pensamento do filósofo alemão. Beitegui nos faz ver a diferença em relação a Descartes, que alicerça seu pensamento em espaço na visão ôntica de extensão, qual seja uma superfície abstrata onde há a ocorrência de fenômenos naturais, pensamento este recepcionado por Newton. Heidegger estabelece uma aporia que acaba por resgatar o sentido originário desta ideia em sua relação com o mais profundo ser de nossa existência, com a existência fazendo-se espaço e clareira: como verdade.

O Tempo

Para o escritor norte-americano, Heidegger estabelece na questão do tempo seu tema central da analítica existencial. Somente entendendo o ser em seu prisma temporal, e transformando ontologia em cronologia, é que ele foi capaz de revolucionar a filosofia. De fato, como bem defende o autor, tempo parece ser o assunto mais intimamente ligado à existência, capaz de ser experienciado em diferentes formas e é capaz de tomar um papel de grande magnitude em nossas vidas. Este fenômeno parece ser o fundamento por trás de todas as ações e relações e estando implicado em tudo o que fazemos. O tempo não é algo que cruza em nossas vidas, mas acaba por se confundir com o que nós verdadeiramente somos. Existe a clara noção de que os dias passam devagar e os anos rapidamente, que hoje em dia cada minuto é muito mais precioso e utilizado do que fora tempos atrás. Mas se o uso do tempo distingue as gerações, não seremos nós individualmente resíduos temporais, cargas de tempo ou porções individuais deste ente?

Comumente damos ao tempo a noção de posse e nos atribuímos a condição de o termos ou não. O tempo é sempre subordinado a um objetivo e se ele em si é espacial, nós o entendemos como se fosse um recipiente que decidimos encher com nossas atividades de tal sorte a tornarmo-nos sempre ocupados. Dentro deste prisma a experiência do tédio, algo vivenciado por qualquer de nós, parece nos trazer a real dimensão do significado do tempo na medida em que se apresenta como excessivo, material, sufocante, onde passamos a ter nada além de nós mesmos. É quando se fez impossível convertê-lo em entretenimento ou trabalho, transformando nosso convívio “individual” em um verdadeiro inferno, onde a ansiedade e a solidão ganham magnitude e procuramos desesperadamente escaparmos de nossa própria intolerável companhia buscando ler, falar no celular, assistir a um filme, enfim fazer qualquer coisa que nos de abrigo e fuga desta situação insustentável.

Pascal trata da matéria com imensa propriedade ao afirmar que:

Nada é mais insuportável ao homem do que o repouso total, sem paixões, sem negócios, sem distrações, sem atividade. Sente então seu nada, seu abandono, sua insuficiência, sua dependência, sua impotência, seu vazio. Incontinenti subirá do fundo de sua alma o tédio, o negrume, a tristeza, a pena, o despeito, o desespero. E o autor em magistral reflexão evoca mais adiante que quando, às vezes, me pus a considerar as diversas agitações dos homens, e os perigos e os castigos a que eles se expõem, na corte e na guerra, originando tantas contendas, tantas paixões, tantos cometimentos audazes, e muitas vezes funestos, descobri que toda a felicidade dos homens vem de uma só coisa, que é não saberem ficar quietos dentro de um quarto. O homem que tem suficientes bens para viver se soubesse ficar em casa com prazer, não sairia dela para ir ao mar ou ao cerco de uma praça. Não se pagaria tão caro um posto no exército, se não se achasse insuportável não sair da cidade; e só se procuram as conversas e os passa- tempos dos jogos por que não se sabe ficar em casa com prazer. Mas quando pensei mais de perto no assunto, e quando, depois de haver encontrado a causa de todas as nossas infelicidades, quis descobrir-lhes a razão, achei que há uma muito efetiva, que consiste na infelicidade natural de nossa condição fraca e mortal, e tão miserável, que nada nos pode consolar, quando nela pensamos de perto. (…) Daí amarem tanto os homens o ruído e a agitação; daí ser a prisão um suplício tão horrível; daí o prazer da solidão se tornar uma coisa incompreensível (Blaise Pascal 1973:74).

Ele destaca a questão do tédio que provoca uma sensação angustiante de tédio (ennui) e traz em si a imperiosa necessidade de ocupação do tempo (divertisemant) onde fica muito claro que quando o homem organiza os cães e os cavalos para a caçada esta, em verdade, em busca da caça e não da presa.

No tédio não possuímos o tempo, é o tempo que nos possui e este revela que o ser-no-mundo nada mais é do que o ser-no-tempo. A ansiedade e a insatisfação que o tédio provoca decorrem de nossa imersão no tempo presente e imediata saturação em nosso relacionamento com nós mesmos, trazendo a vontade de escaparmos deste estado, não raras vezes, de forma patética e desesperada. E não seria esta mesma sensação que demonstra a viscosidade do tempo em nossa existência?

A Temporalidade

A questão da temporalidade para Heidegger ganha contornos que ultrapassam em muito a mera noção ordinária de tempo. Na medida em que o ser é interpretado a partir da noção de mundo, essa tem de incluir a dimensão temporal para ganhar significação. O Dasein vive mergulhado em sua temporalidade quotidiana dissociado da perspectiva de sua finitude. Ele vive o tempo inteiro com suas atenções voltadas ao presente quotidiano respondendo a todo o tempo às necessidades e pequenas demandas do dia a dia. É o que Heidegger chama de temporalidade inautêntica. Nesta temporalidade, o Dasein vive projetado a esperar os resultados que o futuro poderão lhe trazer. O sentido de passado aparece na forma de um esquecimento e ganha sentido de herança.

Diante da temporalidade originária o ser permanece sempre projetado para o futuro. Dizemos agora e pensamos no tempo. Mas em parte alguma do relógio que nos indica o tempo, encontramos o tempo, nem no mostrador nem no mecanismo.(Tempo e Ser, Heidegger 2009:17)

Na temporalidade inautêntica existe, também, uma ênfase no presente como um atender constante, ficamos permanentemente voltados para as diversas situações em que a vida vai nos lançando a cada momento neste presente que nos solicita e exige. Como podemos observar em diversas passagens de Ser e Tempo (§ 68, letras a, b e c) o mundo pode ser observado dentro da análise objetal, científica, analítica, onde nos colocamos em situação de compreensão. Este mesmo mundo se abre para o Dasein como um conjunto à mão para se dispor e utilizar pragmaticamente. Ao mesmo tempo ele esta no mundo valendo-se dele, mas também pretende analisá-lo como objeto de estudo e aferição. O Dasein compreende que ele próprio é um poder-ser e existe em função de um poder-ser de si mesmo, em função de sua ipseidade. O mundo não é substância, mas exterioridade e o agente ou mola dessa exteriorização do mundo é a temporalidade onde o mesmo se apresenta como o horizonte em direção ou sentido da ekstase, o que escapa constantemente e recua quando julgamos tocá-lo. O mundo não tem sustentabilidade própria, ao contrário, ele se temporaliza na dimensão do tempo que é o que permite a sua exteriorização.

No presente, coexistem passado e futuro o que permite a noção de transcendência do mundo pelos horizontes de temporalidade do Dasein.

Por isso, o “problema da transcendência” não pode ser reduzido à questão de como o sujeito sai de si e chega a um objeto fora de si, em que se identifica o conjunto de objetos com a idéia de mundo. A questão é: o que torna ontologicamente possível que o ente intramundano venha ao encontro e possa, enquanto aquilo que vem ao encontro ser objetivado? A resposta se acha no retorno à transcedência do mundo fundada de modo ekstático e horizontal (Heidegger. 2009 : 456).

Assim, o mundo transcende qualquer objeto, qualquer ente quer nos aproximemos dele com objetivos práticos quer pretendamos nos colocar no mundo falando dele como objeto de estudo. Ainda assim, a transcendência do mundo engloba tudo isso e se funda nessa temporalidade, em sua dimensão ekstática. Não há atitude de transcendência do Dasein onde ele se colocaria fora dele em outra dimensão.

Por isso fica-nos vedado dizer: futuro, passado, presente subsistem “simultaneamente”. Não obstante, fazem parte de uma unidade em seu recíproco-alcançar-se. Sua unidade unificante só pode determinar-se a partir do que lhes é próprio, do fato de reciprocamente se alcançarem. Mas o que se alcançam uns aos outros? Nada mais do que a si mesmos isso quer dizer: o pré-s-entar neles alcançado (Tempo e Ser, Heidegger 2009:20).

Nesta conferência, o autor decanta o conceito de espaço de tempo avançando sobre duas idéias, indo além de uma seqüência de agoras, e também do lapso de tempo calculado onde fatos ocorram e ficaram dispostos em linha. A noção que ele parece introduzir

É a de um iluminador alcançar-se-recíproco de futuro, passado e presente é, ele mesmo, pré-espacial; só por isso pode delimitar espaço, isso é, dar (Tempo e Ser, Heidegger 2009:21).

Mais uma vez ele radicaliza esta noção demonstrando o que é neste iluminador – que traz em si uma ideia espacial e portanto dimensional, diga-se – que faz clareira o passado que traz em si o futuro e vice e versa. Desta forma falamos em três elementos que se mantém “eviscerados” trazem a mesma raiz ontológica e se apresentam em verdade apofântica onde ora o presente se mantém aberto ao recusar o futuro, criando o passado ao afastar-se dele. Estas aproximações e afastamentos em movimento de clareira e ocultação criam a unidade dimensional.

A temporalidade passa a ser sentido e fundamento do Dasein por quem empresta compreensão e ao mesmo tempo dá condição de existência. Por isso mesmo, tempo se transforma em temporalidade quando dá sentido de ser. As noções de temporalidade se modificam na medida em que vislumbramos a nossa finitude. Podemos, a partir disto, diferenciá-las como originária e derivada. Sem a problemática da historicidade do Dasein o tempo é meramente uma sucessão de agoras, um somatório infinito de presentes, um eterno presentar. É na experiência da angústia que se cria a perspectiva mais profunda de se experienciar esta temporalidade por que se vê o limite – sem causa cogniseível – da própria existência diante de nós.

Quando nos deparamos com as noções de término existencial o conceito se transforma em três diferentes ek-stases articulados entre si: o agora, o não mais agora e o ainda não agora. Visto desta maneira, o tempo aparece como a sucessão de “agoras”, cada um dos quais, apenas nomeado, já flui para o “há pouco” e já é perseguido pelo “logo a seguir”. Kant diz do tempo assim representado: “Ele tem apenas uma dimensão” (Critica da razão pura, A31, B47) (Tempo e Ser, Heidegger 2009:17)

Das Eirignis

O tempo não é. Dá-Se o tempo. O dar que dá tempo determina-se a partir da proximidade que a recusa retém (Tempo e Ser, Heidegger 2009:22).

O mestre alemão demonstra pela análise da tradição que a existência do homem é fator de sustentabilidade ontológica para o tempo. Mas o homem não parece se apresentar como condição para que o tempo transcorra e, menos ainda, seu único receptor. O movimento de alcançar, recusar e reter, apesar de fazer parte de nossa raiz ontológica não se apresenta, como uma criação humana. Ao utilizarmos a expressão Dá-Se tempo devemos considerar o que Heidegger busca estabelecer com a expressão. No que se refere ao “Se” ele quer registrar o componente antecipatório que marca o homem em seu presentar descartando a possibilidade de esta expressão dizer respeito à existência do tempo como algo criado pela força da natureza, por exemplo, e posto diante de nós. Já o dar possibilita a ideia do iluminador que ocorre em movimento de clareira e ocultação ao longo dos momentos e épocas do ser. O fator determinante tanto do tempo como do ser é a perspectiva – ainda sobre a ótica de Ser e Tempo – de espacialização temporal e temporalização do espaço por força do movimento ekstático em que os seres efetivamente o são. Mais tarde o filósofo aparenta se afastar de sua idéia original sobre o tema e introduz o conceito de Das Ereignis que pode ser traduzido como acontecimento – apropriação é o elemento de sustentação “do estado de coisas” e, portanto, dessas duas questões (ser e tempo).

Com este termo ele tenta designar o evento de mútua e recíproca a-propriação entre ser e o humano. Em algum patamar distanciando a operação de tempo e espaço da existência. Primeiro, o tempo deixa de ocupar a posição provilegiada em correlação com o espaço, mas agora em absoluta unidade não idêntica com o mesmo. Em segundo lugar, a finitude do tempo não é tanto abandonada como é desterrada e reinscrita como um evento do ser em si (Beitegui 2005:80).

Eirignis estabelece um conceito onde a historia não mais se insere no contexto da existência do Dasein, mas agora atinge o patamar de condição originária de existência do estado de coisas, o acontecimento originário não sob a ótica da física em teorias como o Big Bang, ou o momento de criação do homem sob o prisma, quer evolucionista ou criacionista, mas ainda assim um advento criador e sustentador de toda a lógica existencial que fundamenta os seres dos entes.

Poderíamos dizer que o Ereignis é “o nome heideggeriano do ser”, através do qual ele sucederia a cadeia de nomes do ser que se perfilam em cortejo como história da metafísica, vista como história do ser? Um último nome? Não. Justamente: a livre seqüência de cunhagens do ser, que declina o sentido grego de ser como presença, é constituída por tantas determinações daquilo que ser quer dizer que, do seio da diferença, não pensam em diferença para qualificar a entidade do ente. O acontecimento apropriante não se coloca na seqüência (Dubois. 2004 : 111).

Beistegui defende que o filósofo denomina a unidade espaço-temporal do ser e seres que pode ser caracterizada como o “lugar onde o momento acontece” inscrito na esfera da decisão e das rupturas das coisas do mundo. Em outras palavras, o espaço da história. Na medida em que o conceito de Dasein implica não em uma coisa, ente ou substância, mas em um movimento, “ein”, nos deparamos com a sucessão encadeada de adventos, irrompidos por eventos fundamentais e originários onde o mundo se desabrocha e que contém o interrelacionamento do ser com todos os seres incluindo-se aqui as questões de espaço e tempo. Dasein passa a refereciar de certa forma encetando um movimento de retorno aos conceitos originais de Heidegger em Ser e Tempo mais do que a existência humana, para acrescentar a concretude do mundo como lugar do advento histórico, lugar de acontecimento. A história não apenas acontece no tempo como se configura no próprio acontecer no espaço-tempo de uma forma absolutamente singular e única.

O Espaço-tempo

O evento do espaço-tempo é o emergir da história como tal e que se apresenta, sempre, como uma nova configuração histórica sob a forma de Ereignis que a cada movimento funda uma nova época que deve ser entendida como uma nova correlação de forças e contra-forças entre terra e mundo Beitegui (2005:85).

O tempo, na acepção do escritor norte-americano, tem sua operacionalização caracterizada em termos de ausência vazia que ele traduziu do alemão leere como emptiness (“vaziotitude”) que se encontra enraizada na recusa a si mesmo, o que também poderia ser classificado como hesitação. Tempo e espaço compõe o solo onde o solo abissal se faz. Ele estabelece uma correlação de identidade entre si, não como duas dimensões dadas a priori e pensadas como, em uma função peculiar, ou devemos pura e simplesmente substituir os conceitos tradicionais de espaço e tempo pela unidade espaço-tempo, ao contrário ele se dá como um evento que ocorre como uma ocorrência daquela vaziotitude que não pode ser confundida com um vazio espacial que precisa ser preenchido por eventos ou coisas. Para tanto, esse é o caminho nos quais ambos nunca cessaram de acontecer através da história da metafísica: como que em quais lugares as coisas ocorreram. O momento de tempo é de fato mais uma zona de intensidade do que um mero instante, um campo de presença e individualização além de um ponto singular, é o local decisivo da história e não um mero “agora” sempre na iminência de se esvaecer no passado.

O Tempo e o Espaço na Física

A teoria da relatividade emprestou novos contornos aos conceitos de espaço e tempo inclusive se contrapondo ao que podemos considerar como manifestação perceptível e quotidiana destas dimensões. Entender o tempo como a quarta dimensão da matéria é algo que já vinha ocorrendo no final do século XIX a diversos estudiosos. Considerar um objeto como detentor de comprimento, altura, largura e duração já parecia bastante razoável naquela época até por que é possível de forma abstrata conceber a hipótese de um corpo possuir as três dimensões de forma independente em relação a ocupar algum lapso de tempo.

Na realidade, devemos compreender o vocábulo dimensão na acepção de cada uma das quantidades mensuráveis que são necessárias e suficientes para definir um acontecimento. Não se pode separar o espaço do tempo. Só a combinação dos dois – o espaço-tempo – é que possui uma existência independente. O espaço-tempo é o meio em que ocorrem e sucedem os elementos (Mourão 2005:70).

Einstein construiu sua teoria a partir do questionamento dos postulados da física de Newton que estabelecia o conceito de espaço absoluto e tempo absoluto, ou seja, estas dimensões se manifestam na mesma quantidade mensurável para qualquer observador em qualquer hipótese. A contestação veio pela noção e simultaneidade, assim entendendo a possibilidade de que dois eventos sejam para um observador produzidos no mesmo instante de tempo. Assim sendo, dois movimentos podem ocorrer de forma simultânea para uma pessoa, mas acontecer de forma diversa para outra que se desloque em relação ao local onde estão se produzindo os eventos. No instante dado, o espaço é por definição um conjunto de eventos que parecem simultâneos, pois o espaço que nós percebemos não é um conjunto de pontos geométricos, ou seja, não tem uma realidade física, mas um conjunto de eventos, todos eles descritos no mesmo tempo.

Assim, se a simultaneidade não é um conceito absoluto não pode haver tempo absoluto ou espaço absoluto (Mourão 2005:70).

Mas foi Hermann Minkowski (1864-1909) quem desenvolveu em 1908 o conceito que unificou as duas dimesões oferecendo de forma efetiva quatro coordendas para um determinado evento físico o que trouxe, inclusive, uma maior base matemática à teoria da relatividade restrita. Ele afirmou em uma de suas conferências naquele ano que:

as visões de espaço e do tempo que vou expor têm-me conduzido ao terreno da física experimental e é isso que me dá força. De agora em diante. O espaço em si e o tempo em sí estão condenados a desaparecer. E somente a união dos dois poderá ter um sentido tanto quanto uma realidade independente (Mourão 2005:109).

A questão mais grave que se apresentava para a física do século XIX era o fato de que o tempo se apresentava como uma realidade variável de acordo com a situação do observador. Uma vez que este estivesse em movimento ou em repouso o tempo se verificaria mais rápido ou mais devagar. Einstein e alguns físicos contemporâneos a ele apresentaram resposta às indagações que evidenciavam a necessária revisão da física de Galileu, Kant e Newton. A mudança radical que o físico alemão introduziu alicerça-se na ideia de que a gravidade não se trata de um conjunto de forças. Em verdade Newton nunca explicou o que a gravidade era, mas sim como ela funcionava e dentro de que parâmetros: razão direta das massas e inversa do quadrado das distâncias. Diferente de uma correlação de forças em situação de momentâneo equilíbrio, a gravidade passou a se apresentar como as deformações decorrentes da ação das gigantescas massas no tecido espaço-tempo. Assim sendo, imaginemos um tecido de pano razoavelmente esticado e a ação de esferas de bilhar de tamanhos variados provocando alterações na geometria do mesmo que, por sua vez, produzem a aproximação ou afastamento destes corpos.

Realmente, a teoria da relatividade generalizada aplicada aos problemas cosmológicos conduz a um universo estável no tempo e homogêneo no espaço, distribuído em um espaço onde a matéria das estrelas estaria uniformemente distribuída e suas propriedades geométricas invariáveis.

Esse espaço seria matematicamente curvo. A atração gravitacional seria resultante de uma propriedade geométrica do espaço-tempo que se encurva nas proximidades da matéria (Mourão 2005:126).

Se a curvatura do espaço tempo é deformada de acordo com o conjunto de massas que moldam o tecido e a curvatura do universo, então é razoável concluir o impacto que isso traz aos conceitos tradicionais de espaço e de tempo. No caso do espaço a linha reta é o caminho mais curto entre dois pontos, partindo-se de um universo plano. Já diante das curvaturas, a linha reta deve ser substituída pela geodésica ou seja uma curva de menor curvatura capaz de unir dois pontos.

A geodésica sobre a esfera é o circulo que passa pelos dois pontos da superfície da esfera que esta centrado sobre o centro da esfera. A trajetória obtida é uma geodésica. Isso explica por que no caso de um vôo entre Rio de Janeiro e Paris, a trajetória do avião se desloca mais para o noroeste (Mourão 2005:131).

No que se refere ao tempo a mudança de paradigma também se aplica onde a curvatura gravitacional do espaço possibilita o tempo passar mais devagar ou mais rápido de acordo com a localização do ente na referida deformação.

Assim, os relógios do sistema de Ground Position Sistem (GPS) instalados no instrumento em algo que se mova na superfície, no mar ou um avião em vôo estão bem próximos do centro de curvatura ou deformação do espaço pelo grande peso da massa da Terra. Por isso tais relógios giram de acordo com esta curvatura e, mais lentos do que os relógios instalados nos satélites em órbitas. As órbitas dos satélites estão mais distantes do centro de deformação do espaço pelo peso da massa da Terra e, portanto, de acordo com a curvatura menor do espaço por lá, seus relógios giram mais rápidos. Os números que os ponteiros dos relógios dos satélites indicam estão sempre defasados ou adiantados em relação aos ponteiros dos relógios da Terra (Gallindo 2009:04).

A segunda lei da termodinâmica parece trazer um conceito de fluxo de tempo que advém da própria natureza. Ela se refere, em primeiro lugar, ao fato de que o calor se transmite necessariamente do corpo mais quente para o menos quente, o que é bastante conhecido, mas determina também que o grau de desordem de um sistema fechado tende a crescer em relação ao tempo. Este grau de desordem é chamado de entropia e são inúmeros os exemplos tirados do quotidiano, como um torrão de sal que se dilui na água, o envelhecimento celular, um ovo que se quebra. Nestes eventos, o aumento da entropia dá um sentido de fluxo do tempo que ocorreria sempre em um sentido, que convencionamos chamar de passado em relação ao futuro. O tema não encontra unanimidade no meio acadêmico:

Uma vez que a maior parte das análises físicas e filosóficas sobre o tempo é incapaz de revelar qualquer sinal de fluxo temporal, tudo o que nos resta é algo misterioso. A que devemos atribuir a impressão vigorosa e universal de que o mundo se encontra em um estado de fluxo contínuo? Alguns pesquisadores, notadamente Ilya Prigoine, químico ganhador do prêmio Nobel e atualmente na Universidade do Texas, sugeriram que a física sutil dos processos irreversíveis transforma o fluxo do tempo num aspecto objetivo do mundo. Mas eu, e outros, afirmamos que se trata de algum tipo de ilusão (Davies 2009:13).

A questão da entropia pode nos dar – de forma ilusória ou não – uma ideia de tempo baseada no mundo como se nos apresenta representado. Os fatos que se encontram colocados em um determinado plano espacial por força do movimento ou da entropia levam o observador a vivenciar a ideia de que há uns mais recentes em relação a outros, o que fundamentaria a noção de fluxo temporal. Este fenômeno traz por parte de diversos estudiosos a ideia de que o futuro não traz um processo de construção, ao contrário na tendência universal da desorganização dos sistemas fechados teremos o-não-ser diante do futuro. Ou no dizer do Professor Doutor em Filosofia Mario Bruno Sproviero da Universidade de São Paulo.

A entropia é a inversão do tempo, ou seja, esse aspecto do tempo pelo qual quanto mais se regride no tempo, mais “intenso” é o tempo. E quanto mais se progride mais “diluído” é o tempo. É o tempo em seu aspecto negativo: nós estamos acostumados a pensar no devir do cosmos como um progressivo vir-a-ser, mas, na verdade, trata-se de um regressivo deixar-de-ser sem aniquilar-se: acumula-se um “entulho de ser”.

Como mostram muito bem os físicos Bernhard e Karl Philbert, não só o espaço é função do tempo, mas o próprio tempo é função do tempo. Não podemos pensar num tempo uniforme e linear e separado das coisas, mas num tempo entrópico, que se degrada com o tempo, tendendo assintoticamente ao fim do próprio tempo; ou, como se poderia dizer satiricamente: “o tempo vai morrer com o tempo”.

A Memória

Bergson ao tratar da memória introduz três diferentes conceitos que se relacionam entre si. Na percepção da realidade pelo que o autor chama de espírito esta operação traz um conjunto acessório de lembranças-imagens que complementam a mesma. Esta materializa a lembrança pura que seria incognoscível, não habitaria o aparelho psíquico de maneira acessível e teria natureza virtual. Ele difere a memória relacionada às coisas do dia a dia como referentes ao hábito (não aprendemos a andar todos os dias) e a que se estabelece em ligação com imagens e sensações à memória autêntica.

Temos consciência de um ato sui generis pelo qual deixamos o presente para nos recolocar primeiramente no passado em geral, e depois numa certa região do passado: trabalho de tentativa, semelhante à busca do foco da máquina fotográfica. Mas nossa lembrança permanece em estado virtual; dispomo-nos simplesmente a recebê-la, adotando a atitude apropriada. Pouco a pouco aparece como que uma nebulosidade que se condensasse; de virtual ela passa ao estado atual; e, à medida que seus contornos se desenham e sua superfície se colore, ela tende a imitar a percepção. Mas continua presa ao passado por suas raízes profundas, e se, uma vez realizada, não se ressentisse de sua virtualidade original, se não fosse, ao mesmo tempo que um estado presente, algo que se destaca do presente, não a reconheceríamos jamais como lembrança (Bergson 2006:156).

No que tange ao estado de consciência estaríamos vivendo em estado presente, que traz consigo as associações do passado e daquilo que o presente acompanha, mas há um purificar na percepção presente de tal sorte que faz a lembrança pura desaparecer fazendo com que a vida psicológica se situe em dois elementos essenciais, a sensação e a imagem. E o que ocorre é que a diferença perceptiva entre estado atual e estado ulterior é a intensidade imprimida nestas imagens. O passado se torna manifesto pelos meios de percepção do presente em um processo de emersão.

Em vão se buscaria seu vestígio em algo atual e já realizado: seria o mesmo que buscar a obscuridade sob a luz (Bergson 2006:1568).

Esse processo de busca e rememoração nos permite o ressentimento, a inefável capacidade de ao resgatar algo doloroso no passado reexperienciar a dor.

O Tempo na Neurociência

A neurociência parte do conceito de imagens construídas pelo cérebro para representar uma evocação do passado tido como real, uma percepção atual ou a elaborativa de uma ação relacionada ao devir. Essas construções mentais consolidam o que nosso cérebro imagina depreender da realidade recebida a partir do aparelho sensorial que possuímos. Nossa percepção de realidade e, portanto nossas construções de imagens temporais, variariam de acordo com nosso arcabouço perceptivo. Essas imagens são desenvolvidas com o auxílio de faculdades mentais que relacionam habilidades de raciocínio abstrato, memória e criatividade que ocorrem com algum nível de variação entre um ser humano e outro. No caso dos processos de recordação, eles podem ocorrer por associação a alguma imagem presente e neste caso nossa visualização de imagem acontece de forma relacionada com o plano espacial externo. E em outros casos a lembrança ou rememoração ocorre de maneira absolutamente desintegrada do universo externo imediatamente disposto diante de nós, sendo assim produzida em sua totalidade pelo sistema cerebral que evoca uma experiência pretérita sem correlação imediata com qualquer estímulo aparente no plano espacial do cérebro.

A atividade nos córtices sensoriais iniciais quer seja desencadeada pela percepção ou pela evocação das recordações, é um resultado, por assim dizer, de processos complexos que operam insidiosamente em numerosas regiões do córtex cerebral e dos núcleos de neurônios que se encontram abaixo do córtex, os gânglios basais, o tronco cerebral e outros locais (Damásio 2004:128).

Existe a possibilidade ainda não totalmente comprovada pela neurociência de que as imagens trazidas pela memória sejam produzidas nas mesmas regiões cerebrais onde elas foram inscritas no momento de sua percepção. Parece claro que o cérebro não armazena reproduções de experiências, imagens visuais ou sensoriais de qualquer natureza, não só porque isso parece ser impossível em razão da necessidade de espaço como, principalmente, pelo fato de fazermos constantes releituras de experiências ocorridas e ainda pela imprecisão com que recordamos de determinadas imagens, sabores, sons ou aromas.

O que as representações dispositivas armazenam em suas pequenas comunidades de sinapses não é uma imagem per se, mas um meio de reconstruir um esboço dessa imagem (Damásio 2004:130).

Essas imagens decorrem de uma atividade cerebral centrada nos córtices iniciais responsáveis pelas nossas percepções sensoriais e obedecem a um padrão sempre que a mesma imagem é evocada. Mas a capacidade de rememorar com maior ou menor precisão sensorial apresenta-se desconectada da possibilidade de estabelecer uma precisa ordem cronológica dos eventos. Esses referenciais temporais que nos dariam uma clara percepção do passado podem, por vezes, ser confundidos e, naturalmente, em grau bem maior em pacientes com danos cerebrais. Na década de 60 o neurofisiologista Benjamin Libet demonstrou que ao desenvolvermos um movimento motor o cérebro realiza esta atividade mental motora um terço de segundo antes da atividade mental decisória.

É evidente que há um lapso entre o início dos eventos neurais que produzem a percepção consciente e o momento em que sentimos de fato as conseqüências desses eventos (Damásio SC 2009:47).

Ainda que isso possa parecer surpreendente é de se esperar que o somatório de milissegundos exigidos pelas sinapses mentais acabe gerando uma parcela de tempo um tanto maior, mas ainda assim, inferior a um terço de segundo. Todavia, não nos parece absurda a afirmação de que vivemos em um estado de consciência irremediavelmente no passado em relação a nossos próprios atos situados em um aparente e, no entanto, sensorialmente imperceptível presente.

Mas como nosso cérebro faz para marcar o tempo? Quando estamos diante de um sinal amarelo somos capazes de calcular em pouquíssimos segundos a velocidade em que estamos e o tempo provável em que o sinal encontra-se aberto e o que resta para que venha a luz vermelha e então tomamos a decisão de acelerar ou pisar no freio. Da mesma forma, comumente marcamos o tempo durante a execução de uma música e por outras vezes temos a nítida sensação de que o tempo pode passar mais devagar ou mais rápido em determinadas situações. São incontáveis os relatos de pessoas que vêem toda a vida se descortinar diante de uma situação de quase morte ou mesmo os que declaram ter assistido a seu próprio acidente em “câmera lenta”. O que chamamos de relógio de intervalo é o processo cerebral alicerçado nos gânglios basais e que permitem noção de quanto tempo relativo transcorre entre eventos em relação comparada a outros.
Depois que um neurônio espinhoso identificou a marca do intervalo relativo a certo evento, as conseqüências subseqüentes fazem com que haja um disparo do revolver cortical e, ao mesmo tempo, seja liberado um jato de dopamina no início do intervalo. O jato de dopamina informa aos neurônios espinhosos que comecem a prestar atenção aos tipos de impulsos corticais que vêm em seguida. Quando as células corticais reconhecem a marca temporal que indica o fim do intervalo, enviam um impulso elétrico ao corpo estriado para outro centro cerebral chamado tálamo. O tálamo, por sua vez, comunica-se com o córtex e as funções cognitivas superiores – como a memória e a capacidade de tomar decisões – assumem o comando. A Maconha diminui a quantidade de dopamina e deixa o tempo mais lento. Estimulantes como a cocaína e a metanfetamina aumentam a quantidade de dopamina e fazem o relógio de intervalo acelerar de modo que o tempo parece andar mais depressa. A adrenalina e outros hormônios relacionados ao estresse também fazem o relógio acelerar, e é por isso que um segundo aparece uma hora nas situações desagradáveis. Os estados de concentração profunda ou emoção extrema podem inundar o sistema ou ignorá-lo por completo, nesses casos, o tempo parece para ou simplesmente deixar de existir (Wright SC 2009:52).

Resta, ainda, analisarmos o que chamamos de circuito circadiano que é o nosso relógio biológico marcando as horas de sentir sono, fome, despertar, enfim nosso relógio interno que marca o tempo certo em que o metabolismo deve se preparar para uma quantidade maior de comida a ser digerida ou liberara melatonina para nos levar a adormecer. É com este sistema que nos relacionamos intensamente quando viajamos para país onde o sol nasce e se põe em horário diverso do nosso em função de se encontrar algumas horas em meridiano mais a leste ou oeste. O relógio determina mudanças de temperatura corporal ao longo do dia, produz um pequeno stress no início da manhã o que eleva a pressão sanguínea, fazendo movimento inverso à noite e suspende ou reduz muito a atividade intestinal e urinária no decorrer da noite. Nosso corpo possui, além deste, outro sistema temporal que determina a duração da vida humana e se relaciona com a capacidade de uma célula se dividir em duas. As células possuem um número limitado de realizar a mitose o que leva nosso organismo a preservar sua força vital. Este quantitativo de divisões simplesmente possui um número finito e quando para de ocorrer encerra a possibilidade de sobrevivência do organismo como um todo e com ele as atividades do relógio mitótico.

Conclusão

Martin Heidegger promoveu a mais importante ruptura no pensamento filosófico do século XX tratando o ser humano não como ente, o que aconteceu em toda a tradição de Sócrates a Nietzsche. Ideia, Vontade, Vontade de Potência, foram diversos conceitos que buscaram definir o ser humano como coisa ou substância. A ideia de Dasein traz em si a resposta ao chamado do mundo, o estar com-em-na-perspectiva da ação real ou potencial. O colocar-se de Abraão diante de Deus com a declaração instituidora: Eis-me aqui. Um conceito onde o tempo e o espaço-tempo assumem o inevitável papel de co-protagonismo na existência daquele que vive no quotidiano temporal de um presente projetado para o futuro das ocupações mundanas. E é a historicidade que promove nele mesmo uma ruptura deste fluxo e o coloca diante de um tempo, sobretudo autêntico e entranhado na origem de sua verdadeira abertura para a existência. E é esta mesma historicidade que faz acontecer os adventos apropriadores e promotores das rupturas epocais da existência dele mesmo. Ainda que o tempo na física possa trazer elementos que de alguma forma podem se relacionar com essas idéias, como o conceito de espaço-tempo e de entropia, apenas para citas dois, e diante do fato de que quando colocamos o tempo em situação de análise ele se mostra real e inexistente em um movimento basculante que ilumina e oblitera se esvaindo na força de seu inexorável relativismo. A relatividade torna o tempo possível e o esvai num mesmo ato. A analítica científica da neurociência se aproxima do ser humano como estrutura orgânica dotada de capacidades adaptativas-evolutivas do aparelho sensório motor. Tempo perceptivo e biográfico pode não ser o tempo do existir. Este parece decantar no abismo sem chão onde nasce – da raiz de nossa temporalidade – o fundamento de nosso viver em infinito desamparo, onde o movimento de clareira e ocultação de nossa finitude existencial nos arrasta a todos – um após o outro – na direção da ausência permanente.

Bibliografia

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Cláudio Mendonça
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